domingo, 28 de novembro de 2010

O último cliente da manhã



- Quanto?
- Cinquenta.
- Cinquenta é muito pouco.
- É o que eu posso oferecer.

O velho se cala. Olha para o baralho à sua frente como se fosse um filho pequeno que ele estivesse ali oferecendo.

- Você não vai achar uma obra de arte como essa aqui em lugar nenhum, foi desenhada à mão durante a Segunda Guerra!
- Por que está penhorando, então?

O velho se desconcerta. Foram semanas para decidir entre ser despejado ou entregar a relíquia. Trata-se de um velho soldado, picado de balas e doenças tropicais, que sobreviveu a tantos apertos quanto são os dias de um ano.

- Eu sou sozinho. E não preciso mais disso. Sou um velho! O que quer um velho com desenho de mulher pelada? Não sirvo mais para isso. Mas já servi! E servi muito! Você não duvide!
- Não duvido.
- Quando eu olho para este baralho, eu me lembro do macho que eu fui. Um bom macho e um bom soldado! Você me entende? Cortei algumas gargantas para o governo, mas fui um bom homem.

O velho falava como se já estivesse morto e olhasse para uma vida que não lhe pertencesse mais.
Franco julgava que o baralho do velho valeria muitíssimo no mercado pornográfico, uma peça para museu, sem dúvida. Porém, não ganhava a vida sendo justo nos preços que oferecia. Sentia já certo nojo daquele velho impotente que teimava a viver sem motivos. Acabou por ceder oitenta reais, em nome do velho que viria a ser um dia. Torcia a imaginação para inventar histórias bizarras que viessem a valorizar mais aquela peça exótica. “O velho soldado que me entregou essas figuras pornográficas permaneceu com ele escondido em seu reto enquanto era torturado pelos paraguaios”. Compensaria o ataque de solidariedade com algum conto mais ou menos desse teor.

Era o último cliente da manhã. Entregou a caixinha vermelha para que Luzia guardasse adequadamente. Não disse o que havia dentro, a secretária teria que abrir para anotar no rótulo a classificação adequada. “Doce Luzia!”

Imagem: Óleo - Velho homem em tristeza (no limiar da eternidade): Vincent Van Gogh - Saint Rémy; abril, 1890)

Nenhum comentário: