segunda-feira, 27 de julho de 2009

Noite



Inúmeras noites enquanto crescia, parou para espiar o céu. O céu não guardava as respostas às suas dúvidas, como qualquer céu noturno posava de ser completamente escuro sem o ser, traído pelas nuvens e luzes da cidade. De suas observações noturnas, aprendeu que as respostas nunca estavam na direção em que olhava, estavam sempre onde não podia achá-las; a verdade é que a vida era uma equação que só valia a pena enquanto não se desvendassem as incógnitas, assim, a linha das respostas prosseguia vazia.

Aquela era mais uma das noites em que olhava o céu para afastar a alma do chão, sentir por algum tempo que a sua vida não era sua, era de outro, os problemas eram de outro, as conseqüências e decisões pertenciam a alguém que não a sua própria pessoa. Por infelicidade, esse fingimento nunca se sustentava por muito tempo, entendia logo que a fantasia era excessivamente agradável para se aproximar da realidade, não enganava por sua falsidade, faltava nela a veracidade desagradável do real. Fingir que não existia a dor não a curava.

A última vez que olhara o céu apenas para achá-lo bonito estava perdida em sua memória, junto de outras sensações agradáveis que só nos alcançam uma vez, jamais se repetem, acontecem com o único objetivo de nos fazerem sentir falta delas e buscarmos por sua repetição. Os momentos agradáveis existiam para nos fazer sofrer com sua raridade.

Já fazia tanto tempo que o céu não era simplesmente o céu e o vento simplesmente o vento. Agora todos os elementos da natureza estavam conspirando para reavivar as suas frustrações. O vento soprava por toda a parte para deixar claro que era capaz de ir a qualquer parte. O céu era uma permanência imutável para que os insignificantes seres mutantes abaixo dele o invejassem e espiassem. Não sabia explicar a qual dos dois desejava assemelhar-se.

Era noite, o dia forçosamente renasceria lá fora. Em seu íntimo, seria sempre noite. Não para utilizar o contraste escuridão e luz, era noite porque os seus sentidos jaziam adormecidos, indiferentes aos apelos recebidos. Um sorriso de agradecimento, um pedido de desculpas, um suspiro de ansiedade, tudo ressoava opacamente em seu côncavo e morria antes de surtir algum efeito. Era noite, as reações ficavam agendadas para o amanhecer. Era noite, o negrume em sua alma empalidecia todas as cores ao redor. Era noite, as emoções atrofiavam pelas passagens trancadas e estreitas dos seus subterrâneos.

A noite não apenas ESTAVA em sua vida, temporariamente estacionada para aguardar algo vindouro. A sua vida ERA uma constante e opressora noite, um véu dividindo o seu interior do resto da existência; constituía a sua essência indecifrável e silenciosa.

Todos os barulhos estavam presos do lado de fora, sob a redoma havia somente o ruído das moléculas de ar se movendo e carregando as partículas de poeira que atravessavam multicores por entre os prismas da luz indireta que lá chegava. Os ressentimentos também lá estavam, vaporizados e condensados nas paredes de suas cordas vocais.

A noite invadiu a sua vida e prometia permanecer.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Aos que partem... boa viagem.

Por que todos nós lamentamos quando alguém finalmente morre? (Creiam, o finalmente está muito bem colocado aí, há coisa mais final do que a morte?) Desde que nascemos nos aprontamos para esta aventura única da qual não precisaremos retornar. Vamos para sempre para qualquer parte que indubitavelmente será muito melhor do que aqui.

Miseravelmente nos arrastamos por esta vida, tentando ser bons, tentando ser notados, tentando agradar, tentando fazer a diferença. Depois de muito tentar sem nunca obter exatamente o que desejávamos ou obtendo e descobrindo que não era nada daquilo que esperávamos, então aprendemos a nos contentar com o pouco que alcançamos.

É sempre pouco perto do que poderia ser, mas é muito em comparação à maioria dos demais que padecem da vida. Porque também o momento da morte é o momento em que os que ficam pesam todos os nossos feitos. Qualquer coitado é invejado depois de morto, não por estar morto, mas porque contrastada à imobilidade da morte, qualquer atividade em vida parece muito boa. A verdade é que depois de mortos, tudo o que conquistamos ganha maior importância, nossos defeitos são perdoados, nossos feitos valorizados. É depois de mortos que percebemos que afinal, valíamos alguma coisa. Ainda valeremos no além-vida?

Não é importante, pois para onde vamos o valor não vale nada. Só o que vale é a nossa memória que fica para os que nos conheceram. Fui uma boa mãe, filha, esposa, amiga, vizinha. Vou fazer falta? Guardarão retratos meus? Alguém dirá: “Na época da falecida eu era feliz?” Vão continuar rindo das minhas piadas?

Uma coisa é certa, depois que nos formos, sobrará mais espaço no mundo para os que estão vindo e os que já estão por aí aglomerados.

Talvez a matéria desta crônica soe muito mórbida, e não poderia surtir outro feito, afinal, estamos falando sobre a morte. Desejo apenas que todos admitam: as despedidas são sempre ternas pois os que nelas se reúnem prefeririam que ficássemos e precisam se apegar às nossas virtudes. Estivessem reunidos nossos desafetos, chegariam rapidamente à conclusão de que demoramos tempo demais para passar a vez da existência.

Enfim, nossa vez não veio ainda, ainda há tempo de nos ocuparmos em deixar boas memórias aos nossos futuros ex companheiros nesta viagem terrena até a viagem definitiva.