sábado, 27 de novembro de 2010

O adorno das damas




“Toda mulher bonita é um pouco a namorada lésbica de si mesma.” (*) Foi o que Franco pensou pela demora da moça em provar duas ou três mudas de roupa. È uma regra com raras exceções, a mulher nutre por sua imagem uma paixão narcísica, quase incestuosa. Dê um espelho a um homem e ele gasta um minuto para checar se não está nada fora do lugar. Dê um espelho a uma mulher e ela fica hipnotizada com a própria imagem, faz poses, namora o corpo com dedicação paranóica.

"- Franco, você não está tentando me comprar, está? Danadinho."

Marliza acompanha a frase com uma expressão peculiar, faz Franco se lembrar de alguns olhares que o fascinavam muito na juventude, mas com o tempo aprendeu a identificar como característicos das fêmeas que ninguém queria para esposas, pois conseguiam ser perigosas até mesmo como passatempos. É curioso como certos rostos são indecentes, mais indecentes do que se as donas estivessem andando nuas.

De qualquer modo, foi ironia que ela dissesse por brincadeira a frase que correspondia inteiramente com a situação. Lógico, Franco não estava comprando ninguém. Estava apenas facilitando as negociações entre os dois.

“- Assim você me acostuma mal, já estou me sentindo a Julia Roberts em “Uma Linda Mulher”, será que você será meu Richard Gere?”

“Definitivamente não, benzinho.” Pensou. A coisa mais burra que um cara pode fazer é se deixar dominar por uma mulher. A segurança do homem na relação só está garantida quando ele não ama a mulher. Ela pode pensar que manda e desmanda, ser pisado por uma boa dona, inclusive, é uma brincadeira deliciosa, o que não dá certo é se deixar azucrinar pelo objeto do próprio desejo.

" - Vamos? Você não vai querer sair com uma mulher linda e bem vestida como eu, vestido assim, ou vai?"

A superficialidade das fêmeas em geral é desesperadora. Você cai de quatros por uma senhora e não pensa em outra coisa que não seja encerrar aos dois entre quatro paredes. E a lindinha, o que faz? Obriga-te a desfilar com ela pelos pontos de maior destaque da cidade, para que todos saibam que os dois estão juntos. E depois, acusam-nos de pouco amor. Nós homens direcionamos o nosso amor à silhueta das nossas namoradas, elas apaixonam-se pela inveja e boa impressão que serão capazes de causar com a nossa triste figura. Adorno. Aquela mulher pretendia usar Franco como adorno. A audácia de declará-lo mal vestido ultrapassava a habitual frivolidade feminina. Ser usado como complemento ao visual de uma ninfeta já avançada em idade deu-lhe a exata noção da razão pela qual Marliza vagava sem dono pelas ruas: ela chegava à maturidade com a mentalidade de uma adolescente.

Por sorte, de Franco ou de Marliza, não sei explicar, nosso amigo Franco encontrava-se em um daqueles dias em que sentia um vazio em sua cama, e trataria de preenchê-lo logo com o melhor ao seu alcance. Encontrava sempre o melhor, pois aos seus olhos nenhuma dama era dispensável, mantidas certas restrições referentes à higiene e à sensatez.

Chamou Janete a um canto, e após uma pequena confabulação, a moça em um gesto rápido de quem conhece cada palmo de seu estabelecimento apresentou a Franco uma combinação adequada para a ocasião. Trajado conforme a exigência de sua pueril acompanhante encaminhou-se lado a lado com ela para o seu carro. Ainda na calçada, recebeu do boy um pequeno estojo que ocultou rápido no bolso interno do blazer, e dirigiu até um restaurante no qual já havia estado algumas vezes com sua esposa, que agora vivia com os pais em Santa Catarina.

Deixou que Marliza entrasse na frente. A visão dos seus quadris em movimento perdoava em parte a sua irritante presunção de menina fútil.

(*) Novamente, Nelson Rodrigues. 
Imagem: La Vénus del espejo, de Diego Velásquez.

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