segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

A carne rasga

[POEMA ESCRITO NUM DIA DE CARNAVAL ENSANGUENTADO]


É carnaval, festa da carne. A carne é fraca 
e não pode viver só de suor e arroz com feijão, 
a carne não vive somente de pão, hóstia 
e água mineral. É carnaval, a ocasião
pede o suor da dança e da volúpia; pede
a fartura da mesa e a embriaguez do álcool.

Mas a carne é fraca, lembram? Desidrata-se 
com o sol, intoxica-se com as drogas, deforma-se 
sob o efeito dos excessos. E chora 
lágrimas de sangue quando se rasga.

A carne rasga! Não é metal, 
não é couro curtido, tão pouco é rocha sólida. 
A carne é sangue, tecido e água. Ela se rasga,
 rompe, desmancha, queima, derrete, vaporiza-se.

É fraca. Não suporta além do limite 
de seu conta-giros; arqueia 
até quase tocar o chão na dança, 
mas na queda tomba. Rodopia 
alegre e cantante sob o som da euforia 
para depois tontear com o impacto 
seco do muro de concreto.

A carne vê tudo dobrado na estrada, 
depois da dança e do álcool, mas não vê 
a outra carne que vem no sentido contrário 
dentro do seu invólucro de metal. 

Grita, uiva e homenageia a banda, 
cai em bandas pelas beiras das estradas ensanguentadas.

Levanta a poeira quando pula 
no ritmo sincopado dos tambores, 
arrasta-se na poeira dos barrancos descampados.

Ama, espuma, contorce-se de prazer 
pelo corpo amado; Retorce, engasga, 
asfixia-se na solidão da morte incerta dos acidentes.

E canta, e vibra! Os últimos acordes de dor agônica
para a Lua avermelhada que lhe espia a sorte.