terça-feira, 14 de maio de 2013

o poetar da poetisa

Não sou poeta
Não quero ser poeta
Eu sou prosa, sou marcha
Sou fila, sou baia
Eu sou, no máximo, com ressalvas
poetisa.

Ainda que eu fosse A poetisa
eu não seria cantora
nem cultora
nem coreógrafa de fantasias sexuais
nem jardineira de flores que não dessem frutos
nem musa amorosa

Se eu fosse poetisa
meu ofício seria poetar
não ser musa.

Se eu fosse poetisa
queria ser conhecida como
A maldita
A boca do inferno
A inconveniente
Vate da discórdia
Vate dos diabos
Profeta da maldade
Língua de duas pontas
Língua de navalha
Voz do fim do mundo
Voz do caos
Amazona da destruição
Égua sem arreio
Cão sem dono
Anjo da perdição
Mão da Justiça
Mão do Carrasco
Corda da forca
Cobra Cascavel
Cobra patrona
Cobra do chocalho
Arco da vingança
Luva da execução...

e se assim não for, não serei eu poetisa
preferirei continuar professora de últimas letras
corrigidora de redações mal feitas
lambe tinta sem importância
e somente assim serei eu poetisa

venha o ódio
venha o rancor
venham as pancadas
matem a poetisa
crucifiquem!

mas o meu canto, o meu verso, o meu lamento, a minha lamúria, o meu dizer de maldição, o meu conjúrio, a minha confissão ao pé do cadafalso, as minhas últimas palavras, os meus últimos suspiros, neles, com eles, eu juro, eu vos destruirei.... com a verdade do meu coração.

terça-feira, 7 de maio de 2013

Justiça e injustiça




É injusto. uma boa vida se extinguir enquanto uma vida inútil perdura. É injusto, os mais capazes serem desperdiçados enquanto os incapazes entulham. É injusta a dor, se não  compartilhada. É injusto o prazer, se não compartilhado.

E o justo? Nada é justo. Não é justo o olho por olho, não é justo dar a outra face. Não é justo perfumar o machado que nos fere.

A justiça em si é injusta.
Há dor dor e dor e o fim. O resto é eufemismo, ou pior, otimismo.

Pessimismo não há, pessimismo é expectativa. E as constatações? Contra fatos há argumentos? Contra fatos há utopia e ignorância, e, quem sabe, fé.
Mas, fé? É possível a fé? Ainda a fé? Somente a fé?

A fé no filho que se esquece de chorar a dor do pai.
A fé na mãe que se esquece do filho.
A fé nos amigos que só aparecem para se aproveitar.
A fé no silêncio entre os amantes.
A fé na saúde que se esvaiu.

Confiança talvez, mal se sabe em quê; infundada, desconfio.
Confiança em palavras, numa época em que elas perderam o valor.
Confiança em gestos sabidamente fingidos.
Confiança em valores publicamente abandonados.

Perseverança. Não sei. Teimosia, provavelmente.
Dor, sem dúvida. Dor, dor e dor. Pior do que a dor que o Tom Zé cantou.
Muito além do pêndulo de Schopenhauer.

E pior do que a dor, frias constatações.
De que o mundo é o melhor possível e o mundo vai às mil maravilhas? Meu nome acaso é Cândido? A partir de hoje, meu nome é Voltaire. Quem me dera ser chamada Nero.

Chamam-me trágica? Acaso me tomam por cômica? Eu tenho cara de mocinha de comédias românticas? As minhas comédias são, em extrapolação, gregas.

E a justiça meus caros, pelo que me consta, e já foi constatado por Platão desde os idos de mil anos antes de Cristo (pausa, sem drama)... a Justiça, só é possível numa cidade onde não haja luxos, aos moldes de Esparta. Os precavidos não devem adentrar à Cidade. Os muros de Jerusalém ainda lamentam, porque são tolos, seus filhos espetados em lanças.

Fujamos das imagens.

Consolemos as viúvas, amparemos os órfãos. Evitemos as manchetes trágicas. Devemos todos rir das piadas tolas e chorar somente nas cenas dramáticas. Não nos revoltemos jamais.

Pulai os cadáveres que encontrares pelo caminho, conformai-vos com vossa pobreza, não vos vinguei de seus inimigos, deixeis que os ímpios cuspam-lhe na cara, comprem sem pagar, fodam com vossas filhas e esposas, coloquem-lhes chifres e incendeiem vossos campos. Pois a justiça virá, meus mansos cordeiros, ela virá, limpará os regatos, partirá os mares, ressuscitará os peixes, pescará os lobos, escalará os montes, cuspirá pragas sobre os ímpios.... tudo isso virá, não sei quando, nem onde, nem sei se virá mesmo, mas NÃO NOS REVOLTEMOS JAMAIS.

Sentem-se por aí. Fiquem calados. E não murmurem, pois isto muito me irritará. Chorem, se lhes servir de consolo.

Amém. Amém.