domingo, 7 de abril de 2013

Genealogia

Eu sou filha de Zenilda
que é filha de Maria,
que é filha de Almerinda
que não soube de quem é.

Nessa sina de enzicas
Das três só uma foi rica
Até casar com um bode
que cheirava rapé.

Só maridos,
Almerinda enterrou um,
Maria enterrou dois,
Zenilda enterrou três.

De filhos foram mais covas,
que a fome é muita,
a água é pouca,
a terra é dos outros,
o dinheiro é dos homens.

Mas a Graça, essa é de Deus.

Miro-me em seus espelhos
de escassez e precisão,
por isso não fio a homem,
não empresto a mulher,
não crio filho dos outros,
Toco a vida como Deus quer.

Quando quero dar a entender aos burros
eu bato na cangaia, e se meu cavalo cansa
eu o deixo descansar.

Do meu homem eu ando atrás,
pois no meu sistema de frete,
a carga vai amarrada na frente,
pra detrás eu ditar o norte.

Sou assim e não me aprumo
Não ando em estrada sem rumo
Eu olho onde amarro meu jegue,
pra depois não me arreliar.

Pois sou filha de Zenilda de Maria de Almerinda
Não aceito nome de linda, nem de flor, nem de cheiro
Faço as contas e mando às favas,
Amarro as minhas trouxas e pego a estrada,
Sou mulher pra ver o mundo inteiro.


terça-feira, 2 de abril de 2013

A busca pela verdade

Seria essa a nossa questão fundamental? A verdade? Ela existe?

Eu não sei. Mas possuo a minha verdade pessoal, e faço questão de alterá-la um pouco todos os dias para garantir que ninguém irá copiar a minha fórmula de verdade.

A relatividade é tudo, eu acho, apesar de uma afirmação tão conclusiva não condizer com a premissa. O certo é que ninguém se conhece o bastante ou conhece a qualquer um o bastante para afirmar categoricamente que algo seja verdade.

Uns meses atrás alguém me perguntou como eu mantinha o meu ânimo. Aí alguém que me conhece pára e pensa, "a Ana, ânimo, de onde este louco tirou essa pergunta sobre a pessoa mais sem ânimo que há". De fato, de fato, eu sou muitas coisas que não combinam com uma pessoa cheia de ânimo. Eu sou pessimista, preguiçosa, omissa, procrastinadora, cética e DESANIMADA. Se eu fosse um aparelho de TV, estaria sempre em stand by. Sério. O que há em mim que simula ânimo é a minha teimosia, que eu prefiro chamar de lógica irredutível. A minha lógica é tão irredutível que somente a observação minuciosa e completa dos argumentos em contrário, quando não dos fatos resultantes em si, pode me levar a mudar de ideia.

E eu mudo de ideia, afinal, a verdade é relativa não porque decidiu ser relativa a tudo, ela é relativa para melhor se adaptar à marcha dos tempos. E aquela pessoa que me perguntou como eu mantenho meu ânimo, queria saber como eu me mantinha dedicada num emprego cujo público é desatento, relapso e eternamente medíocre.

Eu respondi, é lógico, a mais pura verdade. Eu sigo tentando por raiva. Raiva de desistir, raiva de me deixar desmentir. Raiva porque há quem pense diferente de mim, porque existe um pouco de verdade que precisa ser transmitida e eu estou neste mundo para isso. Resquícios do meu espírito catequético, talvez, ou não, afinal eu estou hoje mais para anticristo do que o contrário.

Por segurança, porém, eu ressalvo, a raiva não é boa conselheira, apesar de ser excelente combustível para a ação. Ela dá adrenalina, não mede consequências. É motivadora, mas desmancha no ar e quase sempre deixa resquícios dolorosos nos músculos da alta carga de stress.

O ódio é veneno para a alma, diriam. Destes venenos que as pessoas compram para usar homeopaticamente. O que eu apontaria como desabono da raiva e por consequência como nocivo à relatividade da verdade é a sua faceta peculiar de procurar certezas absolutas para se posicionar atrás delas. A raiva é uma reação muito simples, sem nuances, sem sombras ou semitons de cinza. Portanto, é uma má companheira no caminho que busca pela verdade.

Ainda assim a raiva é o meu estimulante preferido.