terça-feira, 16 de novembro de 2010

Até a próxima, querido



Fátima encontra Sílvio de pé dentro da casa. Fica em dúvida se ele estava preocupado com seu bem estar ou se havia perdido o sono. Não fazia diferença, a noite já partia e um novo dia chegava. Junto com o novo dia chegava o momento da partida. 

Na cozinha, fritando os ovos com bacon, Fátima observa a cumplicidade entre o homem e o cão. Os dois pareciam dar-se muito bem, numa amizade que a deixou enciumada. Difícil competir com tanto companheirismo. Os três se posicionam na mesa do café, e Sílvio parece reticente, desanimado, aparenta mesmo estar fingindo serenidade, como se escondesse algo que a pudesse magoar.

O pedido para tomar conta do cão foi o último gole daquela taça de abandono. As justificativas para a ausência foram parcas e sem criatividade. Fátima estava agradecida. A verdade faltava, mas aquelas mentiras insossas transpareciam a intenção de Sílvio de se despedir. Era muito pouco mentir mal para que ela entendesse que era um adeus. Suficiente, pesando o fato de que Fátima não achava que havia muito a oferecer para Sílvio. Um corpo fora da forma apregoada pela mídia, uma juventude mantida apenas no espírito, interesses muito distantes dos dele – a poesia passava longe do perfil cafajeste -, até os presentes que ela vivia tentando dar a ele eram aceitos com algum nojo. Mais uma razão para adorá-lo, pois deixava claro que a ligação dos dois não era por interesse.

Talvez ele estivesse voltando para alguma coisa que abandonou no passado, ou tivesse encontrado uma nova razão para reformar os costumes, talvez ainda, estivesse fugindo de algo incômodo. Fátima desejava apenas que não fosse ela a causadora daquela fuga. De certo não, jamais havia cobrado nada além do oferecido. O braço abanou como última despedida, o gosto do beijo de Sílvio ainda misturado com sua saliva, o carro sumiu na curva da estrada empoeirada, e o sorriso ficou calado.

- Até a próxima, querido.

Imagem: Gustave Courbet - 1819-1877 – Mulher nua com cachorro – óleo sobre tela (65 x 81 cm) 1861-1862 – Museu de Orsay, Paris

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