quinta-feira, 22 de março de 2012

Humana solidão





Pague amor com ódio,
atenção com indiferença,
oração com pragas,
dedicação com desleixo.

Esmague a mão que lhe estendem,
arranque os ombros oferecidos,
esmurre as flores ofertadas,
pise em túmulos recém cobertos.

Não chore pela vida desperdiçada,
Não lamente os amigos perdidos,
Segue pelo caminho estreito-

- dos sonhos minguados,
das queixas caladas,
das lembranças esquecidas.




segunda-feira, 12 de março de 2012

O ventre enterrado





"Deus condenou a Serpente a rastejar seu ventre sobre a terra por seduzir Eva e Adão. Ainda hoje, como bicho de debaixo do chão a Serpente consegue engambelar muitos Adãos e muitas Evas e socá-los no bucho. Dizem que esses pobres vivem eternamente presos por lá."


A nossa Eva teve oito filhos. Oito para dar sorte, se fossem Sete dariam na conta do mentiroso. Oito. Um de cada pai, aliás, dois de um só, foram gêmeos. Cinco nasceram mortos, dois as avós criaram e um filho, o último, foi aquele a quem Eva amou.

Esse um, o último, foi o único a quem Eva não tentou matar. Sem pular, sem tomar beberagem, sem dormir de barriga para baixo no sol quente e na pedra fria. O último não era só filho do pai e do ventre, era filho seu também. Filho do desejo, da vontade, da carência de ser mãe. Filho que não foi feito à força nem por acidente. Era filho só; sem nada especial, com a diferença de lhe ter trazido juízo.

Foi o um do choro fino e das noites longas, cheias de cólicas e chás. O das fraldas cozidas e passadas com ferro de brasa. O dos remédios caros e das febres altas. Das garatujas em papel pautado e dos rabiscos nas paredes encardidas das casas de aluguel.

Cria difícil, teimosa em minguar, reimosa de criar. Moço bom e trabalhador, dos que trazem flor nos dias de anos e levam para trocar os óculos. Forçudo, bom de render meninos, muitos dos quais Eva ninou.

Tão bom filho, tão bom moço, até vela acesa nos dedos duros da velha finada Eva botou.