Os bebês ressequidos abandonados na beira das estradas sendo devorados pelos carrapatos. As mulheres arqueadas pelo peso da lenha e da água. O fogo sendo aceso para cozinhar comida pouca.
A roça de feijão morta no tempo das flores. As vagens deformadas, cobertas de ferrugem preto. Os grãos apodrecidos pendentes dos sabugos. A fartura de insetos perfuradores construindo seus casulos sobre os caules. O seu único filho nascido vivo abandonando a pobreza. A temporada de chuva voltando sem ter quem carpisse o mato. As crias das vacas sendo amamentadas no meio da lama.
Todas as memórias, todas as boas e más lembranças, todas apodreceram juntas nos pedaços alterados de seu corpo.
A melhor parte do seu ser deteriorava-se dia-a-dia, desgraça a desgraça, segundo a segundo. Só mesmo a morte para acabar com tanta feiúra. Tristeza muita para esperança pouca é mau agouro.
Permaneceu imóvel, horas, olhando fixo para o candeeiro pendurado no teto de madeira negra.
Tentou se mover e havia perdido o controle sobre os membros. Queria se virar e ver outra coisa além do candeeiro, faltava força. Horas. Concentrou toda a energia para mover o tronco, tombou na serragem que cobria o piso. Seu corpo era algo fora de seu controle. Mais comprido, mais pesado, as articulações funcionavam diferentes. Dentro de si tudo mudava, os ruídos das suas entranhas confundiam-se com os trovões da tempestade que se aproximava.
(A foto é do Paulo Anjos)