terça-feira, 4 de setembro de 2012

O bote do ódio

Espreita escondido atrás do olho esquerdo, depois do direito. É negro, tem a profundidade das coisas sem fim. Rodeia, atocaia, mais parece a vítima que se esconde do que o carrasco que aguarda o momento para empunhar o machado.

Houve o tempo em que passou adormecido, temeroso de se dar a conhecer à luz. Envergonhava-lhe sua figura disforme, malhada por indisfarçáveis manchas de desespero. Toda a sua força concentrada em suas convicções, aliás, crenças. O que por nada muda só pode ser medido pela régua da fé. Conhecia a razão pela qual fora criado, de certeza tão indiscutível quanto o nascer e renascer do sol todas as manhãs.

Nasceu então, brilhante, áspero, de altura inexplicável, cheio de gritos e roncos de dor. Avançou cegamente em todas as direções, bateu dolorosamente sobre a superfície dos seres, rebarbou, espumou e recuou, para voltar a se expandir e ir repelindo os sentimentos mesquinhos e de menor monta.

E rasgou e pisou, chorou um vômito amargo de afogado sem esperanças. Suas lágrimas se tornaram espinhos que rasgaram as carnes próximas. Rolou sangue e suor, e gargalhadas histéricas de incompreensão.

E riu, riu, riu, até cair. Desejou seguir de arrasto os alvos de sua dor, mas do tombo não mais se levantou. Asfixiou ali, em frente à platéia muda, com as mulheres tapando os olhos dos filhos pequenos para não verem o vexame da sua nudez esquelética.

O seu sorriso de morto eram os dentes falhos de uma caveira de olhos apodrecidos.