quarta-feira, 22 de maio de 2019

Declaração Universal dos seus Direitos

A você 
não serão concedidos direitos
Só deveres.
Não insista.

 Não lamente. Cumpra suas ordens.

Chore se precisar
Lá atrás
No escuro.

Não lamente. Cumpra suas ordens.

Não há outros para fazer
 o que você tem de fazer.
Só há você. Faça.

Não lamente. Cumpra suas ordens.


domingo, 5 de maio de 2019

E.T.

Eternamente Tua
Serei
Daqui por diante
Sem regras
Para o que houver

Eternamente Tua
Pelo prazo indeterminado do infinito
Advirto de antemão:
Minha última febre durou entre seis e sete anos
Depois disso, sofri no máximo leves resfriados

Eternamente Tua
Por escolha minha, não tua
Porque não acredito em mentiras mal estruturadas
Em qual Universo eu acreditaria que não me queres?
A mim? Aquela a quem todos cobiçam

Eternamente Tua
Sei que não és imune ao meu veneno
Quanto te feri, não foi para te matar, como menti antes
Cravei meus dentes em teu braço para inocular nele o veneno do meu amor
Porque saber-se amado é saber-se desejado

Eternamente Tua
E o desejo é contagioso, inebriante, irresistível
Percebe-se pelo cheiro, pelo movimento, pelo olhar
Se eu te desejo, e tens consciência disso, então teus olhos cruzaram com os da serpente
Encontra-te agora mesmerizado, paralisado pelo medo, trêmulo pela eminência do perigo, em alerta de fuga, pois estás consciente do teu papel de presa: a serpente te deseja

Eternamente Tua
Não te enganes, não és caça, nem pássaro na gaiola,
És estrela, és musa
A entrega é minha, sou tua, permaneces livre
Escravos seremos apenas de nosso medo de sofrer, de nossas camadas e camadas de amor próprio e autoproteção, nossa verborragia, nosso riso nervoso, nossos ritos de tornarmo-nos repulsivos e assustadores para os outros, porque manter os outros longe é a nossa forma de protegê-los das monstruosidades que encerramos em nossos peitos, porque precisamos proteger os outros desta potência de maldade que conhecemos em nós mesmos, mas que mantemos escondida, porque somos,  por princípio e escolhas, bons

Eternamente Tua
Entregue
Desarmada
Porém, não te animes
Eternamente insubmissa
Eternamente eu
Eternamente teimosa, prolixa, caótica, Pink
E Tua
E.T., Ana


quinta-feira, 2 de maio de 2019

Há tanto tempo

Faz tempo que não escrevo.
Como vai?
A distância se pôs entre nós
e ficou maior sem sentirmos.

Então veio o silêncio.
Sem mais palavras,
sem acenos,
sem bons dias e boas tardes polidos.

Éramos tão amigos,
íntimos,
até não sermos.

Foi o tempo que nos separou
Sim, foram as horas
os minutos
os segundos
os ditos
os não ditos

Quem nos separou foi o espaço
nos perdemos
estávamos no mesmo lugar
mas em tempos diferentes
remotos
futurísticos

Foi o devir que nos separou
nossos sonhos
não sincronizados
fora de ritmo
nossos passos
descalços sobre pedra quente
em tijolos vermelhos de sangue

Foram as feridas
não curadas
envenenadas
enegrecidas
encobertas por falsos sistemas de autoproteção

Foram as lembranças
doloridas
indeléveis
traumatizantes
repetitivas
obsessivas
sempre presentes
não esquecidas

Foi o medo que nos separou
das multidões
da morte
de sofrer
de amar
de se entregar
do fim...

o Olho



Ganhei recentemente um olho a mais
desses que veem além

desde então...

eu vejo utilidade nas coisas 
antes que elas tenham utilidade

sinto o perigo
antes que ele dobre a esquina

sinto o calor das lágrimas
antes que elas escorram

sinto o enrubescer da face
antes do sorriso

ouço o coração que acelera ao meu passar
escuto o vento roçar nos caules verdes
pressinto o olhar que se lança ao vento
saboreio a saliva dos tísicos moribundos
aspiro o ar do pulmão dos afogados
ondeio com o tontear dos ébrios
caminho sobre os passos dos desesperados
sorrio para os botões de flor
aspiro a fumaça dos motores
exalo o desejo que me tens


Todas as coisas
as mais inúteis
estão interligadas.

Faço minha mala no escuro
roupa para uma semana
sem conferir quais peças vão

visto-me como quem vai à guerra

Dobro em quarteirões desconhecidos
encontro amigos desaparecidos

Ando errante pelos becos
descubro o amor

Descarto o uso de lingeries
rejuvenesço dez anos

Olho todas as coisas como se fossem novas
repito palavras como se fossem música
aprendi a ouvir música
e ouvir os pássaros
e a sentar na grama molhada
só para sentir seu cheiro

Abraço amigos da vida toda
aos quais eu somente dizia 
bom dia

Choro copiosamente a morte de desconhecidos
perdoo as almas condenados ao inferno
assumo alguns pecados inconfessos
cometo outros no caminho

Pela primeira vez na vida
Acho que talvez me aceitem no Céu.

Tudo isso foi possível
por causa de um ponto
negro sobre branco
vazio
zero
deus
estático 
dinâmico
modal
fractal
performático


Tudo isso foi possível
por causa do tempo
da migração das almas
de eu já ter nascido
cavaleiro
bruxa
cachorro
já ter conjurado magia de sangue
ter trocado carne por ressurreição
ter sacrificado vidas no altar do poder infernal
ter mandado almas ao Diabo
ter trocado a minha alma por uma desforra
e no final...
ter exaurido toda a energia do universo em um único feixe de raio branco

Tudo isso foi possível
porque eu me aceitei
como sou
como fui
como serei
sem censura