sábado, 24 de abril de 2010

Estudos cerebrais


Olhou o cérebro como alguma peça de um maquinário alienígena, e admirou a capacidade do homenzinho saber informar o que lhe contavam as partes daquela engrenagem silenciosa. Admirava mais a capacidade de entender do professor do que a iniciativa de estudar o órgão deslocado de sua função e local de origem. Alice sabia que somente através da linguagem é possível haver comunicação, e a linguagem é formada no cérebro vivo e em funcionamento, um organismo formado por minúsculas células comunicando-se entre si por sinais e códigos. Duvidava já da genialidade de Smith: como ele estudaria a linguagem de um cérebro morto? Forçoso era estudar o organismo em funcionamento para depreender as relações estabelecidas entre as partes constituintes do Todo. O que forma um Todo é a inter-relação entre os constituintes, e não os constituintes somados. O cérebro morto era tão somente uma foto de um único instante da constituição daquele sistema, portanto, insuficiente para compreender toda a complexidade de sua estrutura.

Tudo isto Alice buscou expressar ao professor enquanto o acompanhava à sala de aula, mas não encontrou as palavras exatas. É assim, as palavras são bem poucas para expressar tudo o que passa por nossas cabeças, por isso, a linguagem se utiliza de outros signos não-verbais para completar sua obra. Antes de tentar comunicar as suas impressões sobre aquilo que considerava mais recomendável para um estudo efetivo do funcionamento do cérebro – humano ou animal –, Alice decidiu permanecer com o professor e ler no comportamento dele outros sinais que a ajudassem a compreender em que nível de linguagem deveria se dirigir a ele. Isto, porque sentia que sua primeira tentativa havia sido malograda: não havia em Smith empatia, ele não se interessava por certos fenômenos, tais como a comunicação entre objetos inanimados e pessoas via correspondência datilografada. Não se magoou com o descaso do professor, porque ela própria possuía uma imensa empatia pelos outros e entendia que nem todas as pessoas são plurais em seus interesses como ela era capaz de ser. O que a movia era a curiosidade, deste modo, podia variar entre os estudos da mente e a geração espontânea de caracteres gráficos.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

De volta à raíz do medo




Eu sempre alimentara, desde criança, aquele mórbido hábito de imaginar que o pior sempre estava para acontecer, e fantasiava o telefone tocando para avisar-nos do cadáver jogado em algum beco. Eu tentava simular a dor que sentiria tendo que assistir ao enterro de minha mãe, imaginava o caixão dela baixando na cova. Era esta a visão de justiça que o mundo me inspirava, porque todos os dias nos noticiários eu ouvia crimes horríveis serem relatados e na nossa própria família já haviam acontecido crimes violentos. Na minha recém formada concepção de mundo, os maus eram sempre fortes e conseguiam vencer os fracos. Não havia quem castigasse as coisas erradas, e a única maneira de reverter esse quadro era criar um novo mundo para substituir o obsoleto.

O medo é uma coisa horrível de sentir, porque a vítima sente-se invariavelmente impotente para reagir. Eu sentia uma bolha no peito que se movia conforme eu respirasse, e tinha uma outra sensação, igual àquela que sentimos quando enchemos várias bexigas e ficamos sem ar. Sempre que esta sensação tomava conta de mim, eu apertava um crucifixo de ouro que havia sido presente da minha avó, e implorava a Deus que ele protegesse a minha mãe. Eu estava no segundo ano da catequese, e acreditava em todas as palavras que me eram ditas sobre Deus e sobre a Bíblia. Por isso mesmo, na minha lógica nascente, eu não achava impossível que Deus permitisse a morte da minha mãe, pois, afinal, ele mandara seu filho ao mundo para ser crucificado, e a minha mãe não era mais importante do que o Salvador dos Homens. Classifiquei minha mãe no time dos fracos, e seu oponente no time dos fortes: fatalmente, ela seria derrotada.

O tempo passava, e o medo enveredava por períodos de adormecimento. Nós mudávamos de casa, e os vestígios de que alguém nos vigiasse desapareciam, então, um pouco de sossego se instaurava. Como quando se está no meio de uma guerra, e as balas inimigas cessam de zumbir em nossos ouvidos. São destas tréguas que os homens aproveitam-se para imaginar que o mundo seja um lugar bom, e projetam sociedades utópicas onde reine a paz. Os menos ingênuos enxergam que trata-se apenas de uma trégua, e as guerras sempre reiniciam quando se reestabelecem as forças inimigas. Sempre éramos encontrados, e a bolha voltava a mexer-se no meu peito.

Eu aprendera a odiar, porque já me era insuportável temer. Depois que o ódio brotou, eu não me sentia mais na condição de vítima, mas na de defensora e vingadora. Nas minhas imaginações, sempre que um de nós estivesse em risco, eu surgiria grande e forte para defender-nos. Nada mais me assustava, porque o tamanho da minha raiva me fazia sentir potente como um Hércules que arrastaria o cão de Hades pelo Tártaro a fora, sem necessitar de nenhuma melodia hipnótica da flauta de Orfeu.
É sempre doloroso recordar esse período da minha vida, tudo que houve de bom se apagou, porque as coisas boas são assim, facilmente esquecemo-nos delas, enquanto que as más estão sempre voltando ao centro das atenções.

Operária em construção

É isto aí, meus prezados leitores que eu mal sei se existem, vocês devem ter notado que eu tenho mexido e remexido na estrutura do Literatices d'Ana C. ultimamente. As mudanças começaram depois de eu ter lido um blog sobre "como tornar o seu blog mais atraente" (não lembro o endereço do abençoado blog). Então eu pensei, "é, não custa nada por umas frescurinhas a mais na página, quem sabe alguém se digne a olhar de vez em quando.

Se existisse alguém que me conhecesse realmente, este alguém saberia que eu sou uma pessoa de péssimo gosto para cores, incapaz de traçar uma linha reta, debilóide em combinar elementos, cafona, anti-social para com as visitas. Quer dizer, as alterações foram feitas para mim mesma, para que eu achasse a minha página mais bonita e mais visitável. Se a melhora agradar a quem por aqui passar, bem. Se desagradar, bye.

Aproveito para comentar a minha trilha sonora, tentei fazer a inauguração com as minhas canções preferidas do Pink Floyd, mas acho que as músicas de dez minutos de duração cada uma foram demais para a velocidade da minha net. Por isso fiz uma segunda opção tão querida quanto a primeira: Tom Zé. Descobri o artista nas aulas de Cultura Brasileira da faculdade, o professor era super fã do Zé e me deixou curiosa sobre. Procurei, ouvi, gostei. Não sou daquelas pessoas que respondem Quiz dos seus ídolos, nem os chamo de ídolos, minhas simpatias são puramente pela melodia, pela letra, o ritmo.

Curtam aí as minhas canções preferidas do Tom Zé, na próxima semana eu faço uma seleção nova de algum outro artista e coloco no ar.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Idéias retiradas da infância


Desde pequena, eu tinha o hábito de jogar com as minhas escolhas. Sempre que eu tinha uma tarefa a cumprir, fossem trabalhos escolares, domésticos ou familiares, e era necessário estabelecer uma ordem para executá-los, eu colocava em prática um método  baseado nas seguintes prioridades: primeiro o mais difícil, mais demorado ou desagradável. Um meio de sofrer logo o que tivesse de ser sofrido, descartar o maçante e deixar o prazeroso para o final. Porém, o que vem depois do sofrimento nem sempre é o prazer. O prazer é às vezes substituído por inssossa ausência de dor, desprezível repouso para os nervos.
Nas divisões de tarefa, eu usava um esquema igualmente estranho: o mais chato ou trabalhoso era minha parte, com os outros ficava o restante da empreitada. 
Naquele que vinha sendo um dia tortuoso para mim, em lugar de deixar para trás a proximidade com a imagem ameaçadora que o local deixou em meu espírito, preferi enfrentar de uma vez aquela nova incursão ao terreno pedregoso, e provar a mim mesma que minhas más impressões sobre locais eram somente isto, impressões.
Esqueci-me de que impressões são marcas, permanentes, testemunhais. Sinais.

O Ciclo


Mesma terra, clima diverso.
Secura em alternância com umidade.
A vida adormecida floresce no tempo marcado.
O cinza branco da resistência ganha o verde do viço.
A água que foge do céu e se enterra no mais fundo do chão.
E sangra, quando escavada. Mina, brota, evapora.
O sol que torra, mata e revigora.
O ciclo em que a vida e a morte são passadas de um caminho sem fim.

terça-feira, 20 de abril de 2010

Ratos


Dividi-as em maços de dez notas amarradas por elásticos, enfiados em pacotes de dez maços de dez. Uma parte no criado mudo, segunda parte no guarda roupa, terceira parte dentro do frigobar, quarta parte no lustre do quarto, quinta parte numa tábua sob o assoalho. Dormi. O barulho do dia transcorrendo lá fora não me incomodava, eram os ruídos internos que iam me arrancar dos sonhos. Umas batidinhas ritmadas sobre o forro, correndo para lá e para cá. Uns encontrões dentro das paredes ocas, esganiçar de fibras sendo roídas por mandíbulas esfomeadas.

O vento empurrava a cortina, revelando o interior do meu quarto às árvores que cercavam a casa. Levantei irritada, batendo forte os pés no assoalho para espantar os roedores, com o cabo do rodo espanquei o forro e as paredes, tentativa de afugentar aquelas pragas domésticas, naturalmente interessadas em roer o MEU DINHEIRO. Amarrei as cortinas e fechei a vidraça, o vento podia atrapalhar a calma do santuário em que me refugiei com meus pertences. Chequei cada um dos esconderijos e voltei a deitar. Em sonho (ou pensamento?) os roedores desciam pela fiação de luz para despedaçar as notas em pedacinhos pequenos que lhes servissem de ninho. O vento arrebentava a vidraça para estraçalhar os maços em folhas verdes voando junto com as amarelecidas folhas das árvores.

Apesar de o céu nublado encobrir o sol, seus raios iam se enfiar dentro das gavetas do criado mudo para incinerar uma a uma as cédulas. Imaginem se o meu dinheiro tivesse o encanto de atrair os ratos, e alguém resolvesse pagar por cada rato que eu matasse? Tornar-me-ia uma exterminadora de ratos, andaria carregando uma enorme gaiola para pegá-los de dúzias em dúzias, fascinando-lhes com uma cédula amarrada a um cordão. Depois esmagaria suas cabeças com um porrete e jogaria os corpos no pântano. Poderia também ajuntá-los em um buraco, regar seus corpos com álcool e incendiá-los. Já vi um ninho de ratos pelados queimar-se, erguendo uma chama transparente e uma fumaça branca, um fogo bonito e calmo, os corpinhos passando do rosa ao preto feito mágica. E o melhor de tudo! Neste sonho ímpar, todos os meus lucros chegavam limpos, sem propina ou impostos aos médicos que tratavam de Alice, e todos os dias eles me diziam: ela está muito melhor, melhor do que estava antes de adoecer, melhor do que quando esteve no ventre da senhora, melhor do que se estivesse no Céu participando do coro celestial.

Mas o maldito ruído recomeçava, das pragas cobiçando os meus rendimentos. Ajuntei todos os maços novamente, enrolados numa única fronha serviram de travesseiro. Construíssem os ninhos com os valores de outra! O rico travesseiro atravessou a tarde e quase toda a noite aparando meu sonhos de inquietação e morte.

domingo, 18 de abril de 2010

FUJA.


O silêncio é impossível. Vivia a dez anos em uma casa no meio de uma plantação, rodeada pelo nada, montanhas e adjacências, somente essa certeza trazia da experiência, o silêncio é impossível.

A mudança para o ermo fazia parte dos grandes planos dos pais de proporcionar uma vida tranqüila para os filhos, viver da terra, ouvir os grilos e os sapos. Uma grande e panorâmica mentira para disfarçar o indisfarçável. Escondiam-se no campo para evitar que um dia a mais na cidade roubasse os últimos lampejos de sanidade da família.

Os circuitos elétricos e aparelhos eletrônicos emitiam ondas que confundiam o pensamento, as lâmpadas e tomadas podiam conter escutas e câmeras de monitoração, os telefones continham radium e causavam tumor cerebral. Os vizinhos dos apartamentos fronteiriços eram agentes da CIA ou da KGB, prontos para invadir a casa e matar as crianças. Toda a comida sempre podia estar envenenada, a água em definitivo já estava. Cada novo dia raiava com uma nova interdição, um objeto inofensivo transfigurado em arma mortal, um velho amigo que pertencia agora às forças inimigas. Cada sussurro disfarçava um universo de possibilidades incríveis e absurdas escondidas no meio da noite, e o silêncio nunca reinava.

Sua mãe era uma mulher mediana, desejava manter a família unida. Em lugar de procurar tratamento para o marido, transformou a todos eles reféns de uma mente perturbada.

Por algum tempo a tranqüilidade de uma vida isolada foi capaz de manter adormecidas as alucinações paternas. Se for verdade que o excesso de informações e ruídos da vida moderna é perturbador, não chega a ser mentira que o recolhimento e solidão de uma fazenda podem fertilizar a mente doentiamente criativa.

As paredes da casa velha escondiam habitantes indesejáveis que choravam e lamentavam durante a madrugada. Era possível ouvir seus passos no forro de madeira e o ranger dos dentes mastigando os ossos de roedores e répteis que dividiam a moradia. Quando a lua era cheia, as lamentações aumentavam ao ponto dele ameaçar incendiar a casa para exterminar os invasores. Talvez fossem fantasmas, talvez gente viva e amaldiçoada a viver e reproduzir-se dentro da escuridão dos vãos das paredes, aguardando o dia em que um chamado os avisasse de que a hora era chegada e os que vivem livres deveriam morrer.

Nunca lhe provaram a veracidade das suspeitas de seu pai, nem se provou o contrário. No meio do silêncio das noites existiam sons inexplicáveis, martelares e rangidos que podiam ser qualquer coisa. O movimento das folhas na plantação sob a ação do vento parecia sempre uma dança secreta, culto prestado pela vegetação ao deus oculto no solo fertilizado.

As deidades escondidas no ventre da terra sentem fome às vezes. Isso se dá porque são elas que alimentam os homens, gastam energia para fazer as plantas crescerem e frutificarem. Elas sugam a energia do sol, bebem a água e frutificam. Todavia, são deidades e carecem de reconhecimento e culto. Depois que a Terra abriu seu ventre e recebeu as oferendas da família (os corpos da mãe e do irmão, falecidos quase na mesma semana de uma febre misteriosa, poupados da intervenção diabólica dos químicos, versão que em momentos mais calmos Alice duvidava) o pai se negou a pisar no chão novamente. Não estava pronto para completar o ciclo biológico da vida e entregar seu corpo à Terra. Mudou-se para o sótão e viveria eternamente.
Alguém precisava alimentá-lo. Não havia mais ninguém para negar os seus delírios. A mentira que não encontrou negativa tornou-se verdade.

No dia anterior foi à cidade comprar condimentos. Viu um homem que tentava se matar pulando da torre de uma igreja, e pessoas que aplaudiam o feito. Viu mulheres que alugavam seus corpos nas esquinas e homens que as admiravam por isso. Viu um grupo de rapazes tentarem matar um único e desarmado jovem porque não gostaram da cor de sua roupa. Viu um homem de longos cabelos ser preso por tentar satisfazer a luxúria de uma mulher solitária. Viu a luz se esconder nas frestas e deixar a escuridão bailar ao redor dos postes como mariposa que carrega no ventre pessoas vivas e medrosas. Viu três anjos alados sorrirem para esconder as lágrimas que não escorriam.

Viu tudo isso e achou que precisava sair mais vezes de casa.

Voltou para casa e encontrou o pai de bruços no quintal da frente. Pressentira a morte e correu para frente da casa, porque não saía do sótão há três anos e não desejava apodrecer lá sem que a filha tomasse conhecimento de sua morte. Ou talvez pretendesse oferecer seu corpo ao milharal, mas morrera no meio do caminho. Alice enterrou o pai entre as covas da mãe e do irmão, sem oração, pois nunca aprendeu nenhuma.

A casa aparentava silêncio, sem o mancar dele no assoalho do sótão. Não havia mais o gemer dos viventes ocultos nas paredes. Mas ouviu o tiquetaquear da máquina de escrever. Subiu as escadas para surpreender o invasor. A velha Remmington enferrujada em cima da escrivaninha escrevia sem ter mãos que a datilografassem as teclas:

FUJA.


Adaptado da estréia de um dos meus personagens de RPG. Retirei a inspiração para este texto de elementos dos contos "A balada do projétil flexível e "Children of the Corn", ambos do Stephen King.

sábado, 10 de abril de 2010

Reflexões educacionais

A educação em nosso país, o Brasil, é deficitária. Conseguimos ‘escolarizar’ os nossos jovens, o que não é o mesmo que educá-los com excelência. Há gente por aí creditando essa deficiência no ensino básico de língua e matemática às escolas públicas, são os mesmos que se posicionam contra a inclusão no ensino superior de alunos da rede pública, afrodescendentes e indígenas. Eu, como educadora graduada em Língua Portuguesa e Literatura por uma instituição pública e estadual, chamo esse tipo de posicionamento de retrógrado, preconceituoso e infundado.
O problema da educação em nosso país não é só econômico – poder pagar uma escola particular ou depender da pública. O problema da educação em nosso país é metodológico, cultural e social, especialmente no que se refere ao ensino da língua.

Metodológico porque os educadores em geral são conservadores, fechados para as inovações sugeridas pelos pesquisadores e pensadores da educação. Ouve-se muito nas conferências sobre o método Paulo Freire, sobre inovação, sobre Piaget, mas na prática, tanto na rede pública quanto na rede privada, o número de educadores realmente capacitados para acolher metodologias novas é pequeno. As mudanças necessárias para fugir do feijão com arroz de “copiar do quadro” e “seguir o livro didático” estão longe de serem oferecidas pelos sistemas educacionais. Inclusive, neste ponto de dar liberdade ao professor de optar pela adoção de metodologias diferentes, a escola pública dá de dez a zero na rede particular. Escola particular é empresa com fim lucrativo, quer resultados imediatos e tem medo de ousar. Com exceção de umas poucas instituições que se propõe a oferecer uma proposta “alternativa”, restaurantes e bares também são capazes de fazer isso, a maioria se repete no inquestionável e inabalável “método tradicional”. Para mostrar uma ponta do que as não tão recentes pesquisas indicam: o estudante para aprender a escrever e ler com fluência não precisa decorar terminologia gramatical. Sujeito, Aposto, Predicado, Advérbio, Transitividade, isso tudo tem mais a ver com filosofia lingüística do que com o ato de escrever em si. Pois é, mas qual é o professor que não obriga sua turma a decorar as classes gramaticais? As questões de concursos estão mudando um pouco a cobrança de terminologias, mas nem todas as empresas adotaram a prática ainda. É perder uma vida escolar inteira para decorar uma coisa inútil.

O problema é cultura e social porque para escrever bem a pessoa precisa ler muito, não só quando está no cursinho ou já passou no vestibular, ela precisa começar a ler ainda na infância. Uma criança vai adquirir o hábito de ler se os pais não abrem nem um jornal em casa? A população não tem poder aquisitivo para comprar livros, aliás, nem para comprar gibis. Dá para escolher entre comprar um revista em quadrinhos e uma dúzia de ovos? Qualquer pai escolherá comprar a dúzia de ovos. A barriga é órgão mais essencial do que os miolos. O ministério da educação manda livros para as bibliotecas, nem sempre os professores fazem bom uso destes "quase" espaços. Nas escolas particulares não estou ciente se estes espaços chegam ao menos ao "quase".

Então, sonhamos com uma educação do futuro, com estudantes leitores e produtores de texto, capazes de argumentar e contra-argumentar, de ler os jornais e saber quando estes estão dizendo verdades ou mentiras. Mas esta educação do futuro ainda está em germe, falta adubar, regar e proteger a fragilidade de suas raízes das ervas daninhas. Para que, no futuro, não precisemos ouvir gente que se diz doutorada e mestrada discriminar os nossos estudantes por uma coisa da qual eles não tem culpa.

Estou certa de que estes estudantes, os discriminados, irão se tornar melhores doutores e mestres do que os que aí estão, porque educação não depende de nascimento ou de status social, depende de dedicação e superação de desafios.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Medo da solidão


Por que as pessoas sentem tanto medo da solidão? Para mim, os momentos de solidão são as oportunidades de mergulhar em minhas idéias e submergir com o que há de secreto delas. É o espaço para a introspecção e reflexão. Eu sinto a necessidade do silêncio e do distanciamento das coisas para melhor apreciá-las e julgá-las.

O contato com as pessoas é importante, lógico, mas os momentos de assimilação também o são. Muitas vezes nos deixamos levar pelas idéias dos outros apenas para não desfeitear, e não nos damos conta disso. Descobrir quem nós somos em separado é fundamental para evitar essa anulação de nós mesmos.

Se eu estiver convicta das minhas idéias e souber me virar sozinha, então ficar só é um estado transitório, não necessariamente uma punição ou um suplício. Estar só é estar livre para escolher qual caminho EU quero seguir. Explorar as minhas preferências como indivíduo, assumir os meus próprios riscos.

Temer a solidão é como temer a nossa incompetência em conquistar novas pessoas para a nossa vida. Como uma idéia recorrente entre pessoas mais antiquadas de que é necessário ter vários filhos para que eles não se sintam solitários quando crescerem. O que deve unir as pessoas não é o imperativo de um laço familiar, e sim a afinidade de gênios, os interesses, as idéias.

Cercarmos-nos de pessoas com as quais não estabelecemos afinidades é uma medida desesperada se imaginarmos o tamanho e diversidade do mundo em que vivemos. Lá fora estão as mentes que entram em consonância conosco, jamais estaremos sós.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

A vida é a dor e o alívio é a morte


A velha senhora chorava alto, sentada na poltrona da sala. Choro fino, constante, convulsionado por gritos agonizantes. Não tinha fome, não sentia frio, as fraldas não estavam sujas, não havia febre, nem ferimento. O choro era a forma da velha cruciá-la, roubar-lhe o sono, trazer irritação aos seus dias, fazê-la arrepender-se do dia em que aceitou nascer daquele ventre. Desejava ser capaz de calar o choro, era incapaz.

Em um pires colorido amassava uma fruta para dar a ela, porque no meio de um pesadelo, não desistia de fazer alguma coisa, qualquer coisa, para frear o sofrimento. Diminuir a luz do abajur, abrir as janelas, ler trechos da Bíblia, beijar, rir, chorar junto. A dor lancinava as carnes idosas da sua mãe, a angústia da pobre mulher macerava a mente da filha enfermeira.

Um riso não mais se ouvia, nem mesmo os assobios que tanto alegravam a casa na época de sua infância. A doença corroera todo o amor que pudesse sentir pela mulher que lhe dera a vida. Não era capaz de expressar carinho por uma figura esquelética, ladra dos ideais e dos carinhos maternais. Odiava-a e ansiava o dia de sua morte.

Sentia a necessidade de cuidar e alimentar, seguia aquela via-crucis sem nenhuma devoção ou paixão. Apenas porque existem leis que proíbem aliviar os que já deviam estar mortos dos suplícios que os mantém presos à vida terrena.

A vida é a dor e o alívio é a morte.

Não rirás dos versos que não te pertencerem ou Elementos

O vazio preenchia o dia.
A solidão alegrava a noite.
E o sol apodrecia os frutos.

O dia estava igual ao sempre.
A noite fora entregue ao vento.
E os frutos maculavam a terra.

O dia e a noite preenchiam o sempre.
O vazio e a solidão apodreciam a vida.
O sol e o vento alegravam os seres.

Os seres vazios preenchiam a vida
- com frutos, e sol, e terra e vento.
A vida alegrava a solidão da noite
E a morte colhia a mácula dos frutos.

Caminho

Ia pelo caminho
triste e distraída
tropeçando em pensamentos
e lembranças doloridas.

Não havia nenhum sentido
ou sabor no que eu via. Perdida,
eu esquecera meu ponto de partida.
Sem rumo... apenas ia.

Um choro despertou-me.
O teu nascer chacoalhou-me.
Para te ver respirar mais um dia
mais um dia eu desejei respirar.

Os erros do passado são só memórias.
E que importa para onde caminho?
Ou se o tédio torna insuportável a vida?
Se achamos coisas interessantes pelo caminho
Aleatórias ou acidentais
Pouco importa que não haja meta.

Terríveis ou insignificantes
o que fazemos sempre pode ser interessante.
Vazio ou significativo
pensar é sempre desperdício do agir.

Caminho... caminho...
pensar... e caminhar...
o que sopra no caminho é só o meu pensar.

E no findar do caminho
Olharei pra trás e direi
"Pelo menos fizemos coisas interessantes.
Perdemos a guerra, mas vencemos o tédio."