terça-feira, 8 de julho de 2014

Dos sonhos

Da coisa que mais lembrava era dos sonhos. Estes sim eram interessantes, amedrontadores, sensuais. Nada daquela sonseria tola da vida diurna, hora marcada pra levantar e deitar, rota de trabalho extensa em mapa de obrigações macambúzias. 

Sonho de cobra, "gravidez na família", a vó dizia. Tinha medo então de engravidar, esquecia da idade impúbere. Corria e corria para fugir das serpentes, quando cansava parava e tentava hipnotizá-las com um impor de mãos inútil, mas que funcionava no sonho, pois era sonho. A cobra então subvertia-se em fumaça e tornava-se outra coisa, pessoa. Encontrava com a pessoa sem dúvida na manhã ou tarde seguinte. Não sabia se porque sonhava com gente conhecida ou se por premonição.

Sonho de amor, raros. Encontrava alguém, no geral desconhecido, e amava a pessoa. O que é amar? É virar um ímã bem grande que é atraído pra todo lado pela pessoa que se ama. No sonho, amar é melhor do que amar de verdade. Não importa muito se em sonho há reciprocidade, sabe como é.

Sonhar com dentes é o mais realista que há. Os dentes parecem mesmo frouxos na boca, dá a angústia de engoli-los caso caiam. É horrível se imaginar banguelo, mesmo em sonho. Talvez por isso lhe dissessem que sonhar com dente é sinal de morte. Há coisas piores do que sonhar com a morte. Morria de vez em quando, quase sempre acordando em seguida. Coisa sem novidade. Ruim era sonhar com algum erro que traria consequências, coisas proibidas, interditadas, mas que no sonho, pelo menos nele, não se resiste. Porém, até no sonho se sentia culpada e pensava, como vai ser daqui pra frente?

Bebês, noites cansativas, de repetir cuidados infrutíferos. Se assim era preferiria não ter filhos de verdade. Nunca conseguia descobrir os verdadeiros pais daqueles filhos, mas sua mãe sempre dizia que as crianças dos nossos sonhos são crianças que algum dia a gente terá que cuidar. Só teve uma filha e a sua filha nunca conseguirira ser tão chata e inconveniente quanto aqueles bebês feitos de sonho, chorões e fujões.

Foram tantas fugas, fugas bobas. Às vezes esquecia do porquê de fugir. Seus captores se aproximavam e se distraíam também, meio que esperando que ela voltasse a fugir. Um correr por correr sem razão e sem fim. O irmão menor era um companheiro constante destas fugas. Fardo, é o que era. Parecia que as fugas sempre se davam para protegê-lo, e ele teimava em ficar pra trás e quase ser capturado sempre. O irmão em seus sonhos era um complicador de tudo, um elo a dar nós. O bom destes sonhos de perseguição era quando conseguia voar. Amava tanto os sonhos de voar que com o passar dos anos aprendeu a atrair esse tipo de sonho. Antes de dormir, dizia, mentalmente, vou sonhar que estou voando. Não assim, por nada, tinha de ser uma afirmação convicta, uma ordem dada ao subconsciente. De vez em quando dava certo, com voar e com outras coisas também. Passou a preferir o sono do que o despertar.

Nunca foi uma criança muito ingênua, sabia das coisas. Sabia que sonho é sonho, pão é pão. Não dá pra trazer o pão do sonho para a realidade. Mas dá pra fechar os olhos outra vez e tentar voltar para o mesmo sonho. Isso acontece mais com os pesadelos, ainda assim, custa pouco desejar. Sonho e desejo andam assim ó, colados. Grudados, atados, enrolados nos cobertores, em sonhos molhados de inundações. O corpo boiando num rio tranquilo, os vizinhos às margens, gritando de inveja. Mentira, não conhecia os vizinhos, nem rio, mal sabia boiar.

Sabia, contudo, desejar. Antes de saber de fato, já sabia de inconsciente o que era morte, desejo, medo, amor e desespero. Era sonho.

quarta-feira, 2 de julho de 2014

Falsas promessas


O mundo vai ser inteirinho do jeito que você deseja. Por quê? Para te agradar, é claro. O que você acha estará sempre certo, esqueça do tempo dos erros, daqui para frente tudo vai ser acerto. Ninguém mais te questionará, pois na sua testa, lógico, vai a marca do "sei de tudo".

Só aplausos adornarão o seu caminho e risos. Flores serão jogadas aos seus pés. Será promovido duas vezes no próximo ano, reajuste salarial acima da inflação. O câncer da sua mãe vai entrar em remissão, o seu diabetes e a sua pressão vão ser iguais aos de um menino de dezoito anos.

Na sua sacola de pão, virá sempre um a mais. Em todas as lojas que entrar, será o cliente número um milhão.

Tudo será felicidade e alegria e festa, pra sempre, todos os dias, sem feriado.