quinta-feira, 8 de abril de 2010

A vida é a dor e o alívio é a morte


A velha senhora chorava alto, sentada na poltrona da sala. Choro fino, constante, convulsionado por gritos agonizantes. Não tinha fome, não sentia frio, as fraldas não estavam sujas, não havia febre, nem ferimento. O choro era a forma da velha cruciá-la, roubar-lhe o sono, trazer irritação aos seus dias, fazê-la arrepender-se do dia em que aceitou nascer daquele ventre. Desejava ser capaz de calar o choro, era incapaz.

Em um pires colorido amassava uma fruta para dar a ela, porque no meio de um pesadelo, não desistia de fazer alguma coisa, qualquer coisa, para frear o sofrimento. Diminuir a luz do abajur, abrir as janelas, ler trechos da Bíblia, beijar, rir, chorar junto. A dor lancinava as carnes idosas da sua mãe, a angústia da pobre mulher macerava a mente da filha enfermeira.

Um riso não mais se ouvia, nem mesmo os assobios que tanto alegravam a casa na época de sua infância. A doença corroera todo o amor que pudesse sentir pela mulher que lhe dera a vida. Não era capaz de expressar carinho por uma figura esquelética, ladra dos ideais e dos carinhos maternais. Odiava-a e ansiava o dia de sua morte.

Sentia a necessidade de cuidar e alimentar, seguia aquela via-crucis sem nenhuma devoção ou paixão. Apenas porque existem leis que proíbem aliviar os que já deviam estar mortos dos suplícios que os mantém presos à vida terrena.

A vida é a dor e o alívio é a morte.

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