quinta-feira, 22 de abril de 2010

De volta à raíz do medo




Eu sempre alimentara, desde criança, aquele mórbido hábito de imaginar que o pior sempre estava para acontecer, e fantasiava o telefone tocando para avisar-nos do cadáver jogado em algum beco. Eu tentava simular a dor que sentiria tendo que assistir ao enterro de minha mãe, imaginava o caixão dela baixando na cova. Era esta a visão de justiça que o mundo me inspirava, porque todos os dias nos noticiários eu ouvia crimes horríveis serem relatados e na nossa própria família já haviam acontecido crimes violentos. Na minha recém formada concepção de mundo, os maus eram sempre fortes e conseguiam vencer os fracos. Não havia quem castigasse as coisas erradas, e a única maneira de reverter esse quadro era criar um novo mundo para substituir o obsoleto.

O medo é uma coisa horrível de sentir, porque a vítima sente-se invariavelmente impotente para reagir. Eu sentia uma bolha no peito que se movia conforme eu respirasse, e tinha uma outra sensação, igual àquela que sentimos quando enchemos várias bexigas e ficamos sem ar. Sempre que esta sensação tomava conta de mim, eu apertava um crucifixo de ouro que havia sido presente da minha avó, e implorava a Deus que ele protegesse a minha mãe. Eu estava no segundo ano da catequese, e acreditava em todas as palavras que me eram ditas sobre Deus e sobre a Bíblia. Por isso mesmo, na minha lógica nascente, eu não achava impossível que Deus permitisse a morte da minha mãe, pois, afinal, ele mandara seu filho ao mundo para ser crucificado, e a minha mãe não era mais importante do que o Salvador dos Homens. Classifiquei minha mãe no time dos fracos, e seu oponente no time dos fortes: fatalmente, ela seria derrotada.

O tempo passava, e o medo enveredava por períodos de adormecimento. Nós mudávamos de casa, e os vestígios de que alguém nos vigiasse desapareciam, então, um pouco de sossego se instaurava. Como quando se está no meio de uma guerra, e as balas inimigas cessam de zumbir em nossos ouvidos. São destas tréguas que os homens aproveitam-se para imaginar que o mundo seja um lugar bom, e projetam sociedades utópicas onde reine a paz. Os menos ingênuos enxergam que trata-se apenas de uma trégua, e as guerras sempre reiniciam quando se reestabelecem as forças inimigas. Sempre éramos encontrados, e a bolha voltava a mexer-se no meu peito.

Eu aprendera a odiar, porque já me era insuportável temer. Depois que o ódio brotou, eu não me sentia mais na condição de vítima, mas na de defensora e vingadora. Nas minhas imaginações, sempre que um de nós estivesse em risco, eu surgiria grande e forte para defender-nos. Nada mais me assustava, porque o tamanho da minha raiva me fazia sentir potente como um Hércules que arrastaria o cão de Hades pelo Tártaro a fora, sem necessitar de nenhuma melodia hipnótica da flauta de Orfeu.
É sempre doloroso recordar esse período da minha vida, tudo que houve de bom se apagou, porque as coisas boas são assim, facilmente esquecemo-nos delas, enquanto que as más estão sempre voltando ao centro das atenções.

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