terça-feira, 20 de abril de 2010

Ratos


Dividi-as em maços de dez notas amarradas por elásticos, enfiados em pacotes de dez maços de dez. Uma parte no criado mudo, segunda parte no guarda roupa, terceira parte dentro do frigobar, quarta parte no lustre do quarto, quinta parte numa tábua sob o assoalho. Dormi. O barulho do dia transcorrendo lá fora não me incomodava, eram os ruídos internos que iam me arrancar dos sonhos. Umas batidinhas ritmadas sobre o forro, correndo para lá e para cá. Uns encontrões dentro das paredes ocas, esganiçar de fibras sendo roídas por mandíbulas esfomeadas.

O vento empurrava a cortina, revelando o interior do meu quarto às árvores que cercavam a casa. Levantei irritada, batendo forte os pés no assoalho para espantar os roedores, com o cabo do rodo espanquei o forro e as paredes, tentativa de afugentar aquelas pragas domésticas, naturalmente interessadas em roer o MEU DINHEIRO. Amarrei as cortinas e fechei a vidraça, o vento podia atrapalhar a calma do santuário em que me refugiei com meus pertences. Chequei cada um dos esconderijos e voltei a deitar. Em sonho (ou pensamento?) os roedores desciam pela fiação de luz para despedaçar as notas em pedacinhos pequenos que lhes servissem de ninho. O vento arrebentava a vidraça para estraçalhar os maços em folhas verdes voando junto com as amarelecidas folhas das árvores.

Apesar de o céu nublado encobrir o sol, seus raios iam se enfiar dentro das gavetas do criado mudo para incinerar uma a uma as cédulas. Imaginem se o meu dinheiro tivesse o encanto de atrair os ratos, e alguém resolvesse pagar por cada rato que eu matasse? Tornar-me-ia uma exterminadora de ratos, andaria carregando uma enorme gaiola para pegá-los de dúzias em dúzias, fascinando-lhes com uma cédula amarrada a um cordão. Depois esmagaria suas cabeças com um porrete e jogaria os corpos no pântano. Poderia também ajuntá-los em um buraco, regar seus corpos com álcool e incendiá-los. Já vi um ninho de ratos pelados queimar-se, erguendo uma chama transparente e uma fumaça branca, um fogo bonito e calmo, os corpinhos passando do rosa ao preto feito mágica. E o melhor de tudo! Neste sonho ímpar, todos os meus lucros chegavam limpos, sem propina ou impostos aos médicos que tratavam de Alice, e todos os dias eles me diziam: ela está muito melhor, melhor do que estava antes de adoecer, melhor do que quando esteve no ventre da senhora, melhor do que se estivesse no Céu participando do coro celestial.

Mas o maldito ruído recomeçava, das pragas cobiçando os meus rendimentos. Ajuntei todos os maços novamente, enrolados numa única fronha serviram de travesseiro. Construíssem os ninhos com os valores de outra! O rico travesseiro atravessou a tarde e quase toda a noite aparando meu sonhos de inquietação e morte.

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