quinta-feira, 11 de julho de 2013

O poder das massas by Alice C.

Capítulo em que a nossa heroína vampírica, negando qualquer correlação com as xaropadas dos crepúsculos por aí vigentes, mostra-se uma animada organizadora de manifestos públicos.


Se *Alice C. fosse dessas pessoas extremamente inseguras teria ficado incomodada por ninguém elogiá-la pela perfeição daquele desenho feito pelas “mãos” de uma mulher sem dedos. Mas não, Alice entendia perfeitamente o desconforto das pessoas de falarem na sua deficiência, mesmo que para elogiar a sua perícia de desenhar segurando o lápis entre os lábios ou clicando com o toco do dedo indicador no botão do mouse. A palavra de ordem nos meios educacionais é “inclusão”, a qualquer custo boa parte das vezes, mas não deixa de ser inclusão. A nossa heroína estava grata por este sentimento de recebimento e inserção de seus futuros companheiros de ocupação, afinal, estava claro que daquelas cabeças subalternas e viciadas em só dizer SIM para tudo que o sistema lhes impunha não poderiam sair ideias lá muito revolucionárias.


A empolgação do **CHE-valiê, em especial, era animadora. Ele tinha uma cara simpática e que transmitia confiança, e tinha dedos, o mais importante de tudo, o público tende a prestar mais atenção e credibilidade a quem tem dedos para lhe falar. Até quando essa pessoa não é boa em fazer story board das manifestações futuras.

Mas ainda havia o problema de se criar problema onde não há problema. E foi o que Alice disse aos seus companheiros.


- Não criem problema onde não há. O único obstáculo é o de nos dispormos a fazer e acharmos outros 2.997 dispostos ao mesmo. O poder das massas é intransponível, somente a ignorância impede que o povo comande. Chegaremos em silêncio, de maneira pacífica, de dois a dois. Quando pedirem para sairmos, nos sentaremos no chão e diremos que vamos esperar. Levaremos comida, água, agasalhos. Quando não caber mais gente na recepção, sentaremos no jardim do lado de fora. Então comeremos e beberemos e cantaremos – e nesta parte Alice estava sendo sincera, ela podia muito bem comer e gastar uns pontos de sangue para fazer a comida chegar até a saída para fazer parte do movimento como todos os outros – e a imprensa estará lá para nos filmar. E comeremos mais, até que o milagre aconteça e nossos intestinos comecem a funcionar. Então, cada um de nós, um a um, ou vários de uma vez, defecaremos, em jornais ou no que estiver disponível e passaremos os nossos excrementos para os que estiverem do lado de fora. Estes por sua vez, começarão o trabalho de decoração da Torre, a fachada embaixo. Olharemos a rua através de nossa obra.

 Continuaremos a comer e a esperar que os nossos intestinos funcionem – também podemos levar algum excremento conosco, só pra fazer volume, ninguém vai reparar na quantidade, o que importa é o simbolismo do ato. É claro que ***Shaw lavará a fachada depois, ninguém está dizendo que ele não vai. É claro que muitos de nós seremos presos. Então, alguém acha que a liberdade é impune? Talvez nos batam, torturem, prendam, caluniem. Mas não se enganem, nossas ações não serão esquecidas. As palavras ditas nunca são em vão. É conformismo achar que devemos nos calar porque seremos censurados pelo que dissermos. Não somos crianças que esperam que Edward Shaw nos aplauda por nossa coragem, ou que a sociedade nos dê uma medalha. O que faremos terá conseqüências. Somente os irresponsáveis não preveem as conseqüências de seus atos. Seremos punidos, mas a punição não apaga o ato em si. O que fizermos estará feito e o que dissermos estará dito.

Alice estendeu a mão para o CHE-valiê, queria cumprimentá-lo mais uma vez por sua iniciativa corajosa de se rebelar contra o que achava que estava errado.

- Vamos arregimentar, não somos os únicos que enxergam as coisas como são. Outros vão aparecer. Manterei contato por email. A-l-i-c-e-c.@gmail.com.
E olhando para a ****vampira loira:


- Você tem Facebook?


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* Pra quem não conhece, Alice C. é personagem-narradora de vários enredos aqui do Literatices. É uma vampira recém transformada que luta para se adaptar a sua nova condição de não estar viva.

** CHÊ-valiê é um personagem deste trecho em específico, um ser humano muito distinto pelo visto, destes com ideologias e tudo. Gente fina.

*** Shaw é o vilão desta trama. Príncipe entre os vampiros, manipulador da mídia, da indústria da construção, da indústria química e tudo o mais que houvesse para ser dominado naquela região geográfica. Leia-se: tirano a ser combatido.

**** A vampira loira é um personagem super interessante, que porém, neste trecho é completamente negligenciado empatado de se desenvolver pelo discurso inflamado da Alice.

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