quinta-feira, 27 de junho de 2013

O corpo na caixa

O menino nasceu como nascem todos os meninos: miúdo e chorão. Razão para chorar jamais lhe faltou. O sol quente no cimento frio, o colchão rasgado e pinicante, a água quente derramada de cima do fogão.

Via seu pai muito pouco, figura negra sempre coberta pela fuligem do carvão. O garfo ameaçador de trabalhador mal pago.

O rosto de sua mãe era sempre um braseiro de gritos e sorrisos escondidos por detrás da fumaça do fogão de lenha. Ela também chorava nos dias em que o pai batia e xingava as vizinhas faladeiras.

O menino crescia e continuava miúdo, mas  estranhamente não chorava mais. Nem quando a professora beliscava por ele ser muito danado. Nem mesmo daquela vez em que um moleque da outra rua partiu sua cabeça com uma bodocada. A pedra bateu e o sangue escorreu,  o menino só fez desmaiar.

Depois aquele moleque teve o que mereceu. Comeu porrada até largar os dentes no mato. O que tinha dado naquele menino miúdo para se tornar tão bravo ninguém entendia. Ele quis se fazer homem cedo, carregar o garfo ameaçador no lugar de seu pai e arquear com o peso todo da lenha para não fustigar sua mãe. Ele não ia aceitar mais que lhe apedrejassem.

Xingava feito a mãe e batia em quem lhe desagradasse. Esmurrava, xingava, chutava. No trabalho ou na rua, até na bebedeira. Tinha um ódio mortal contra bêbados folgados ou falastrões.

Não se sabe quem, mas alguém deu cabo do menino briguento. Ele acabou miúdo dentro de uma caixa de papelão na beira de uma lagoa.

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