terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Dos diários de viagem e das impressões de quem visita o inferno

Saía pouco de casa, isso fazia dela  aquele tipo chato de pessoa que desgosta de tudo quando se vê obrigada a sair pelo mundo. A tudo estranhava e com tudo cismava. Quanto mais saía de casa mais se convencia de que não há lugar melhor do que o lar. Bem, vamos à história, antes que alguém se intoxique com este misantropismo.

Obrigada estava a passar três dias em uma cidade dista - e essa inversão da ordem normal da oração tem tudo a ver com a razão de ir lá:  foi ao campus da universidade para estudar literatura do século XVI e XVII. E não é que os escritores portugueses desses séculos adoravam escrever imitando a sintaxe latina, por isso invertiam tudo? Pensava em dizer ao professor que eles falavam como o Mestre Yoda, mas preferiu não se fazer de motivo de chacota da turma.

Primeiro desagrado da viagem. De sua cidade até o baldeamento eram em média 90 km vencidos com uma hora de carro ou duas horas de ônibus (que podem virar duas e meia, depende do azar do freguês, cortesia da empresa de transportes) e do baldeamento até o destino final eram 130 km. Ocorria o improvável de que o valor das duas passagens era o mesmo. Viajando de uma cidade a outra descobria essa injustiça.

O interior do ônibus parecia um forno aquecido à lenha. Todas as janelas estavam abertas, mas nenhuma brisa dignava-se a entrar para salvar os passageiros de uma viagem climatizada no inferno. A paisagem ressequida da estrada não ajudava em nada. A vegetação estava tão seca que a qualquer momento soltaria faíscas. Ossadas de animais enfeitavam de branco marfim o vermelho e cinza geral. O calor desprendido do asfalto formava miragens de carros que não vinham. Tiraria a roupa, se isto não fosse totalmente inapropriado em um transporte público. E vamos inteirar: não se tratava de um calor ameno, daqueles descritos em livros escritos no hemisfério norte. Era calor legítimo, digno dos trópicos, linear ao Equador, desprovido da umidade das florestas visto que a região era semiárida.

E quando finalmente alcançou a garagem suja que a tal viação de ônibus tomava por embarque e desembarque de passageiros, descobriu, com grande desgosto, que a tal cidade destino era tão estafante e sem vento quanto o interior do ônibus. Somente assim podia compreender que a moda feminina numa cidadezinha do interior nordestino fosse a das coxas de fora. Como todos sabem, cidades do interior costumam ser puritanas, ainda mais as do nordeste. Ali qualquer pudor seria castigado. Por grande ironia, a liberdade de vestir não privilegiava os homens, que ainda sob o sol de um quase deserto mantinham-se alinhados em suas calças jeans e camisetas de manga.

Suas roupas, como se pode prever, destoavam do lugar. Calças, blusas de manga, bermudas no mínimo mostrando o joelho. Arrependeu-se, quem poderia prever, de não gostar de vestidos. Admitiu nos primeiros cinquenta passos que o clima influi grandemente sobre os hábitos das pessoas e que qualquer um sobrevivendo debaixo de um sol daqueles se habituaria a mexer-se o menos possível, para poupar calorias. Aquela devia ser, mui provavelmente, uma gente de muito cálculo.

O que seria dela então, quando se visse dentro da sala de aula. Seria um martírio, já imaginava. Como nem tudo consegue ser tão ruim quanto esperamos que seja, lá estava uma confortável, espaçosa e bem ventilada sala. Ar condicionado, ventiladores, bebedores perto, cadeiras acolchoadas. Como mudara o ensino público depois que se formara. Quase acreditava que a educação em seu país estava melhorando. Quase.

Fé renovada, deu entrada no hotel e aproveitou o banho inadiável antes de enfrentar os próximos três longos e inesquecíveis dias de estudo.

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