sábado, 29 de dezembro de 2012

A gafe


De repente, foi como se alguém tivesse cometido uma terrível gafe ali no meio do povo. Algo como baixar as calças e badalar o sino ou abrir uma bíblia e fazer pregação sobre a importância do dízimo. Notem que pregar sobre o fim do mundo não é gafe, é o arroz com feijão dos profetas darem sua própria versão de um fim que é certo e está sempre próximo. Em seu íntimo, aonde não ia a régua das averiguações cromáticas, pois lá só havia idéias puramente conceituais, daquelas limpas de sentimentos, não os sentimentos romance-água-com-açúcar, mas os sentimentos derivados dos cinco sentidos e adjacentes, bem lá nestes ideais intraduzíveis, Alice estava mais preocupada com o caminho até chegar ao fim do mundo, o devir antes do fim, o amanhã que a gente pensa que nunca chega, mas que chega todos os dias sem a gente perceber. 

Justo por isso ela se preocupou com o de repente que se instaurou, quando todos agiram como se alguém tivesse cometido uma terrível gafe ali no meio do povo, quando, na real, nada demais aconteceu. Só um cara com dúvidas ortográficas, outro perdido demais para dar atenção às incertezas próximas, porque estava mais interessado nas incertezas futuras, outro com o nariz muito sensível.

O professor partiu sem nem mesmo ter chegado. Saiu para dar espaço no palco ao novo personagem que se apresentava, atencioso ao próprio umbigo, mas que acrescentou ao cenário um novo perfume. Alice não se lembrava de ter esbarrado com o referido antes, mas isso não importava muito, achou que o rapaz tinha cara de fome e às barrigas vazias é cortês oferecer forragem.

- Como assim você convida para comer e depois dá o fora? Isso não se faz nem a um inimigo, quanto mais a quem você quer ao seu lado num Cagaço. Vamos comer! Eu pago! Quem quiser me segue. – Gritou ela, com a mão na cintura, rebolando muito para bater a mão no bolso que não estava lá e por isso mesmo estava vazio, mas que metaforicamente serviria muito bem para pagar o que quisesse a quem bem quisesse, sem medo de ser obrigada a lavar os pratos depois de terminado o banquete, o que provavelmente aconteceria, pois não tinha um níquel furado escondido em parte alguma.


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