sábado, 8 de maio de 2010

O envelope



Eu tinha uma carta para ser entregue, o destinatário estava bem explicitado no envelope, mas não havia remetente. Era o meu primeiro dia no ramo de entregas, queria mostrar serviço, todas as outras entregas completadas, só aquele envelope no fundo da bolsa. Estacionei em frente a um enorme terreno baldio, um único outdoor na frente anunciando uma obra próxima. Sem dúvida era aquele o endereço, mas não havia prédio ali, e o envelope indicava o número de um apartamento no oitavo andar. Comparei o edifício do envelope com o nome do outdoor. Iguais. Voltei para a central, aquele envio devia ser uma piada de mau gosto. Atônita assisti a meu supervisor empreender um violento escracho contra minha pessoa. Naquela firma de entregas não se admitiam falhas, voltasse eu todos os dias a procurar o endereço do mesmo envelope e registrar no relatório “endereço não encontrado”. Carimbo. Assinatura de um vizinho.
E assim foi, uma vez por semana eu voltava àquela rua e incomodava alguém da vizinhança para testemunhar que não havia ali naquele terreno um prédio tal, com tal número e tal andar. E semana a semana o edifício se erguia do chão, pululante de operários e prestadores de serviços, um monstro de concreto e pedra construído de baixo para cima. Completei oito anos de firma, ocupei o lugar do antigo supervisor, mas aquele compromisso eu não abandonava, o maldito envelope nem saía mais da minha bolsa. Finalmente concluíram a construção do edifício, lojas comerciais nos dois primeiros andares, escritórios do terceiro ao quinto, do sexto ao oitavo residências. Desta vez o elevador funcionava, fora sempre chato subir as escadas e passar entre os trabalhadores nos corredores sem acabamento para averiguar quando seria ocupado o fatídico oitavo andar, apto. 357.

Aquele seria o dia, era minha folga, mas e daí? Quando uma coisa te persegue a tanto tempo, detalhes pequenos deixam de ter importância. Toquei a campainha, uma mulher veio atender.
- A senhora é (...)?
- Sim, sou eu.
- Uma encomenda para a senhora. Assine aqui.
Estava tão curiosa, o que havia dentro do envelope? A mulher pareceu adivinhar, rasgou o envelope na minha frente e correu os olhos pelas linhas.
- É algo grave? – pergunta irresistível.
A mulher me olhou com o rosto espantado. E disse:
- Não é da sua conta.
Entregou a gorjeta e bateu a porta.

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