sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

O doce e o amargo

Essas pessoas que pretendem corrigir o mundo com mordacidade e corrosão, tenho delas pena. São pequenas, porém se acham grandes detentoras da verdade. "Dou-lhes chances, dizem elas, mas não as aproveitam", são quase deusas, estes seres supremos que dão chances para que não sejam aproveitadas. Convencem com ameaças, ajudam com admoestações, ensinam  com réguas batendo pelas paredes; recebem sem agradecer, trabalham como se fizessem favor. E estão sempre certas, é lógico. Errados estão os outros, não elas. Tudo dá errado, mas não por interferência delas, é claro, está claro que elas nunca erram, apesar de nunca mudarem, de repetirem as mesmas ladainhas, trilharem as mesmas brechas, mastigarem as mesmas fórmulas. Não são seus métodos que necessitam de renovação e estratégia, mas é o mundo todo que precisa adequar-se aos seus métodos.

É como no conto de fadas, a menina de capuz vermelha há de receber um ensinamento. A mãe quer inspirar-lhe responsabilidade, para isso, entrega-lhe a cesta de doces para a vovó. A menina tem de ir e voltar pelo caminho indicado, resta-lhe tempo para aspirar o perfume das flores. Há pedras e tropeços pela estrada, distrações, mas o objetivo é bem claro, adoçar o dia da menina, da mãe, da avó. Há, contudo, o amargo. Ele espreita por trás das árvores, espera o momento em que a menina se distraiu, e trama contra a doçura.

Ele é invejoso, pois os doces sequer fazem parte da sua dieta de predador. Ele também quer dar lição, a lição do mais forte sobre o mais fraco. A lição que sobrepõe a toda justiça ou brandura, pois utiliza da força e da violência. A menina aprenderá tarde demais, já na barriga do lobo. E na história original, lembrem bem, não há caçador. Há somente a injustiça lupina.

Não sabem trabalhar em grupo, porque quando algo não é do seu gosto, cruzam os braços, fingem-se de indignadas e pousam seus traseiros sobre seus rabos para fofocar. Ah! Como fofocam as pequerruchas. Suas línguas são mais compridas do que o amargor de suas impotências. Porque já desistiram de aprender, acham que ninguém mais o pode. Somem da arena quando se trata de encarar o novo, mas do velho e do empoeirado entendem bem. Colocam-lhes bem à frente as suas ideias trazidas de casa, requentadas, prontas para pipocar de suas bocas cheias de dentes. E repetem, repetem sempre: "Como eram bons os outros tempos". 

Nos outros tempos, não havia licença para dizer o que se achava, havia só a continência surda batida frente a vista cega das ordenações. Não havia o colorido doce da diversidade, mas a mesmice tosca das cópias fiéis ao comando dado pelos profetas de um milhão de anos atrás. "O certo é a velha moda das tataravós. Qualquer outra coisa é astúcia de meninadas."

E há o doce das incertezas, das ajudas mútuas, das buscas com lampião. Há a beleza do acerto e do erro, da paciência, da consolação na queda. Há o respeito aos divergentes meios, e há solidariedade para a construção.

Há o doce novo. O amargo velho. O doce-amargo da conciliação.

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