quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Frágeis criaturas

         
     Não suportava, definitivamente, não suportava pessoas que pedem opinião sobre tudo. Talvez, porque sua autoconfiança fosse tão grande ao ponto de ser incapaz de aceitar a existência da insegurança. A insegurança de algumas pessoas é cansativa. Principalmente quando você se transforma no "oráculo da razão" para aquele indivíduo.
    Isso não vinha ao caso, naquele momento, mas viria depois. Precisava responder com convicção, somente assim veria-se logo livre daquela interrogação pendente, amarela de sem gracismo.
        - Você acha que eu devo?
       O   incrível é que gostava da criatura. Era incerto se gostava por pena ou por pura ternura, mas gostava. Achava-lhe bela de porte e de jeito, ao menos nisso a ingenuidade colaborava. Dava-lhe um ar de abandono e fragilidade. Uma criança grande precisando de cuidados e atenções. Impressionante, percebeu que gostava e desgostava da pobre alma pelos mesmos motivos. Não é a isso que costumam chamar de amor?
        A criatura magra e fragilizada lhe pediu pela décima vez um conselho sobre algo que claramente caberia somente a própria criatura magra e fragilizada decidir e isso lhe fez remexer-se na almofada. Usaria de sinceridade? Nunca dava certo.
      Respondeu com indiferença. Disse-lhe coisas duras da maneira mais doce que conseguia. Usou, como se imagina, de toda a hipocrisia ao seu alcance para proceder com neutralidade. Porém, as suas neutralidades jogavam sempre com cartas marcadas pelas mangas.
      Certa vez, a figura esguia lhe perguntou uma coisa do tipo.  Muito importante, muito importante. A promessa de nunca ceder à sinceridade foi esquecida e disse claramente, quem pergunta, vacila, duvida e pede conselho, é óbvio, deveria evitar decisões comprometedoras. A figura esguia que mantivesse a sua imaturidade só para si, sem comprometimentos, permanecesse morno, nem quente, nem frio, nem contratos que não pudessem ser quebrados. Estava ouvindo? 
         Nunca, nunca pedia conselhos. Sequer pensava. Comunicava, às vezes, suas dúvidas a algumas pessoas. Era mais como se expusesse em voz alta os termos de sua dúvida, para depois analisar por si a balança das opções.
            Viu aquela pessoa com quem simpatizava e antipatizava ao mesmo tempo partir cabisbaixa. Sentiu culpa. Talvez se tivesse mais delicadeza a convenceria. Mas, de quê? A questão não era deixá-la decidir por conta própria?
Aí é que estava: o fato de ocupar a função de oráculo lhe envaidecia.               Desejava secretamente influir naquelas decisões débeis. Isso lhe fazia sentir um poder crescente. Não, não deveria. Não queria se sentir responsável. Bastavam as cruzes que já carregava.
           Deixou-lhe partir, então.
           - Você sabe, se precisar, estarei sempre aqui para você...


Imagem:  José Ferraz de Almeida Júnior Título: Moça com Livro Data da Obra: s/d

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