terça-feira, 2 de agosto de 2011

A ordem da fila

Eram 7 horas. Da manhã. O vento frio não aliviava o enjôo e a calçada ficava no caminho tentando fazê-la tropeçar. A mulher baixinha e velha do guichê respondia que "sim" à sua pergunta apertando o óculos no rosto naquele gesto clássico de quem usa óculos. 

- Sim, é hoje. Não, não agora de manhã. À tarde. Posso sim, qual seu nome? Costa? Cravo? Certo. Às duas.

Faltavam seis horas. Cinco horas e quarenta e quatro minutos. Saiu para a rua. Andava devagar para deixar o tempo andar mais rápido. O vento não soprava mais frio, nem soprava. O sol esquentara e queimava o rosto escondido atrás dos óculos escuros. Um prédio alto tapou o sol e o dia virou noite pelas lentes escuras. Passou o prédio e o sol voltou.

 
Pediu um pastel de forno e um refresco na lanchonete. Não se lembrava o quanto os pastéis são sem graça. Devia ter pedido café. Mastigava devagar para saborear melhor o sem gracismo do lanche. O público do estabelecimento aumentou, sentiu necessidade de desocupar a mesa. Pagou e deixou para trás metade do pastel.

Precisava ocupar o tempo. Lembrou de comprar alguma coisa, mas o quê? Os tempos não estão para se gastar à toa. Olhou várias vitrines com um interesse fingido por coisas que considerava supérfluas. Decidiu comprar cuecas. Para o marido. Ele engordara e ainda não havia renovado o vestuário. Comprou também meias, sapatilhas, sete oitavos, fumê, sem renda. Para que renda? Contrariava o que dissera uma mulher ruidosa no salão de manicure quinze dias antes: "seguro meu marido com a calcinha de rendas". Contrariando as opiniões matrimoniais da mulher ruidosa, comprou as suas calcinhas de algodão e folgadas, confortáveis e de cores quase infantis. Lenços, comprou também. Temporada de alergias.

Tinha tempo de sobra ainda. 

Atravessou um bairro para perguntar o preço de uma fonte para notebook. Estava em falta na loja. Quando chega? Na próxima semana. Na próxima semana não teria tempo para atravessar um bairro a pé.

Retornou devagar para o centro, com a bolsa cheia de documentos e exames apertada ao corpo como se alguém a estivesse seguindo para roubá-la. Reparou que o tênis não combinava com a roupa que usava, nem as meias combinavam com o tênis. Parou para almoçar, junto com os funcionários do restaurante que ainda colocavam as travessas nos locais de exposição. Comia devagar, pensando em pegar uma sobremesa só para demorar mais tempo. A aversão a doces foi mais forte, apenas demorou-se tomando o copo de suco.

Chegou ao hospital com duas horas e meia de antecedência. Cambaleava de sono. A TV da sala de espera não tinha nada além de um noticiário esportivo enfadonho. Todos os noticiários esportivos o são. ERa a quarta da fila, atrás de si mais seis pessoas. Cochilou. Acordou com a dor no pescoço. Cochilou mais um pouco. Sentia que a garganta incomodava e previu alguma gripe próxima. Outra funcionária velha e mal humorada os levou para outra sala de espera, onde aferiram sua pressão. Perdoava o mal humor da mullher pela idade, nela ser ranzinza funcionava como um clichê, por isso era risível, sem irritar.

Olhava desconfiada para os outros na fila, queria ver se alguém tentaria passar na sua frente porque não faziam outra coisa senão queixar-se dos compromissos esperando. Ela não tinha pressa, mas também não queria que lhe tomassem a vez.

Fazia força para não tossir. Bebeu água e foi ao banheiro três ou quatro vezes. Andou pelas áreas externas para tomar sol. Estava há quatro horas aguardando a chegada do perito, sendo que duas horas eram de atraso do tal. Arrastou-se para a "Coordenação" onde a coordenadora ouviu a queixa da demora como se aquilo fosse a coisa mais natural do mundo. Voltou para o seu lugar no banco de espera. O tempo mudou, o vento voltava a incomodar com seu sopro frio.

A mulher mal equilibrada nos saltos altos demais veio pelo corredor com um caderno nas mãos. O perito não viria. Alguns minutos perdidos com os protestos dos outros pacientes. Aguardou os outros desabafarem e colocarem seus nomes na lista reagendamento. Reagendou e voltou à rua, para equilibrar-se na calçada cheia de vãos. Estava faminta, mas não havia tempo. O carro que a levaria de volta à sua cidade já estava de partida. Voltaria dali a dois dias.

Nenhum comentário: