Desde pequena a mãe lhe
recomendava que mantivesse a porta da frente fechada. De manhã ou à tarde, na
saída ou na entrada, passasse e fechasse a porta. Olhasse pela janela antes de
abrir a porta. Pergunte sempre quem é. Nunca diga que está sozinha em casa.
Fale que sua mãe está ocupada e não pode atender.
Quem lavava a calçada
era a chuva. O lixo era o pai que colocava pra fora quando saía para o serviço.
O muro era alto e a menina brincava no quadrado de terra preenchido com plantas
ornamentais sem desconfiar do que se passava na rua. A rua era de terra e a
camada fina de poeira vermelha assentava nos móveis. A mãe maldizia a poeira e
a rua. Gostaria de viver onde não passassem carros.
O sol baixava e a
conversa das mulheres sentadas nas calçadas atrapalhava ouvir a televisão. A
mãe maldizia as vizinhas e o seu conversar. Gostaria de viver onde não passasse
gente.
O domingo chegava e o
pai a deixava ajudar a engraxar as botas. Um retângulo de sol aquecia o quintal
minúsculo, da rua só chegavam os ruídos. O marceneiro da esquina reiniciava o
seu martelar de todos os dias e o pai lamentava o desgaste de seus solados. A mãe
lamentava as marteladas até no domingo e a menina lamentava o formigueiro
abandonado do terreiro.
Naquela manhã tudo foi
diferente. Acordou e a porta estava escancarada. Da rua entrava poeira, luz e
gente. Os vizinhos traziam consigo o bafo quente do verão que sempre ficou
preso lá fora, as sandálias arrastavam no piso e enchiam a sala e o quintal de
trás. O que sua mãe pensaria disso? Instintivamente a menina fechou a porta,
que foi aberta em seguida por um novo visitante da rua. Procurou a mãe por
todos os lados e a encontrou encolhida num canto da cozinha. Sentada em um
tamborete baixo a mãe chorava torcendo as mãos na gola da blusa.
O marido ia atravessar
a rua e foi arremessado longe por um coletivo que passava. Estava preso no
hospital, respirando por aparelhos. Os vizinhos ouviram o choro lamentoso da
mulher e vieram acudir. Ela chorava e pedia para irem embora, que não havia
nada a se fazer, que a deixassem em paz, que saíssem de sua casa.
Viu a filha e a
abraçou, havia esquecido a menina. Vestiu a pequena e saiu para a rua, deixou
para trás os vizinhos e a porta aberta. O sol brilhava com toda a força que
podia e as duas foram subindo a rua até o ponto de ônibus. Sentaram no banco de
tábuas e esperaram. A menina viu o marceneiro, que martelava até no domingo e
conheceu as mulheres que falavam sem parar. Viu até as crianças da rua, que
jogavam bolas no seu quintal e ela as devolvia sem nunca ter trocado nenhuma
palavra com elas.
Queria perguntar a mãe
o que havia, mas a mulher já estava séria, com o mesmo olhar que a repreendia a
manter a porta da frente sempre fechada quando passasse. Ela saberia em breve o
que fez sua mãe chorar, porque o coletivo vinha fazendo a curva e as levaria a
algum lugar diferente.
Nenhum comentário:
Postar um comentário