quinta-feira, 21 de julho de 2011

O mistério da porta fechada


Desde pequena a mãe lhe recomendava que mantivesse a porta da frente fechada. De manhã ou à tarde, na saída ou na entrada, passasse e fechasse a porta. Olhasse pela janela antes de abrir a porta. Pergunte sempre quem é. Nunca diga que está sozinha em casa. Fale que sua mãe está ocupada e não pode atender.

Quem lavava a calçada era a chuva. O lixo era o pai que colocava pra fora quando saía para o serviço. O muro era alto e a menina brincava no quadrado de terra preenchido com plantas ornamentais sem desconfiar do que se passava na rua. A rua era de terra e a camada fina de poeira vermelha assentava nos móveis. A mãe maldizia a poeira e a rua. Gostaria de viver onde não passassem carros.

O sol baixava e a conversa das mulheres sentadas nas calçadas atrapalhava ouvir a televisão. A mãe maldizia as vizinhas e o seu conversar. Gostaria de viver onde não passasse gente.

O domingo chegava e o pai a deixava ajudar a engraxar as botas. Um retângulo de sol aquecia o quintal minúsculo, da rua só chegavam os ruídos. O marceneiro da esquina reiniciava o seu martelar de todos os dias e o pai lamentava o desgaste de seus solados. A mãe lamentava as marteladas até no domingo e a menina lamentava o formigueiro abandonado do terreiro.

Naquela manhã tudo foi diferente. Acordou e a porta estava escancarada. Da rua entrava poeira, luz e gente. Os vizinhos traziam consigo o bafo quente do verão que sempre ficou preso lá fora, as sandálias arrastavam no piso e enchiam a sala e o quintal de trás. O que sua mãe pensaria disso? Instintivamente a menina fechou a porta, que foi aberta em seguida por um novo visitante da rua. Procurou a mãe por todos os lados e a encontrou encolhida num canto da cozinha. Sentada em um tamborete baixo a mãe chorava torcendo as mãos na gola da blusa. 

O marido ia atravessar a rua e foi arremessado longe por um coletivo que passava. Estava preso no hospital, respirando por aparelhos. Os vizinhos ouviram o choro lamentoso da mulher e vieram acudir. Ela chorava e pedia para irem embora, que não havia nada a se fazer, que a deixassem em paz, que saíssem de sua casa. 

Viu a filha e a abraçou, havia esquecido a menina. Vestiu a pequena e saiu para a rua, deixou para trás os vizinhos e a porta aberta. O sol brilhava com toda a força que podia e as duas foram subindo a rua até o ponto de ônibus. Sentaram no banco de tábuas e esperaram. A menina viu o marceneiro, que martelava até no domingo e conheceu as mulheres que falavam sem parar. Viu até as crianças da rua, que jogavam bolas no seu quintal e ela as devolvia sem nunca ter trocado nenhuma palavra com elas.

Queria perguntar a mãe o que havia, mas a mulher já estava séria, com o mesmo olhar que a repreendia a manter a porta da frente sempre fechada quando passasse. Ela saberia em breve o que fez sua mãe chorar, porque o coletivo vinha fazendo a curva e as levaria a algum lugar diferente.

Nenhum comentário: