sábado, 25 de dezembro de 2010

Viagem de ônibus


Detestava ônibus. O corredor de um ônibus é um palanque onde os que estão julgam os que entram e vice-versa. Cada passageiro é visto e avaliado por todos os outros passageiros. Podem nos olhar pelas costas. Podem nos ver dormindo. Somos julgados com a rapidez de um piscar de olhos e não podemos nos defender quanto a isso.

Preferia sentar nas poltronas do meio. Na frente, se é o primeiro a ser visto por todos que entrarem, nos fundos, terá que caminhar mais e ficar próximo ao banheiro, mas é melhor para se dormir. As estatísticas comprovam que a maior parte dos desastres com ônibus atingem a frente ou a traseira do veículo, no meio se está mais seguro, de preferência do lado do motorista. Em uma colisão o motorista vai instintivamente jogar o lado oposto do ônibus e proteger o próprio lado. Pelo menos era assim que pensava.

Alguém estava sentado na poltrona indicada pelo número de sua passagem. Não quis pedir o lugar, chamaria atenção demais, e talvez a pessoa fizesse pouco caso do seu pedido. Os lugares vagos estavam próximos a uma mulher de seios grandes e um gigante ao lado dela. Não queria ficar apertada atrás de uma pessoa grande demais. Andava rápido para evitar as pessoas nos olhos e evitar que a pessoa que vinha atrás esbarrasse em sua indecisão. Teve meio segundo para optar entre se sentar com o homem de sobrancelhas marcantes e o segundo de meia idade e pequenas entradas. Ficaria mais à vontade ao lado do homem mais velho, ele representava um perigo menor a ela.

Esboçou um sorriso tímido para cumprimentá-lo, acomodou a sua bagagem de mão no bagageiro de cima e sentou com o casaco sobre o colo para esconder as pernas. Estava usando calça jeans, porém uma sensação inexplicável a fazia crer que alguém poderia reparar em suas pernas durante a viagem. A blusa de mangas e gola alta seria o suficiente para aquecê-la. Na verdade, sentiu calor durante a viagem, o ar condicionado estava baixo, mas não tirou a blusa para ficar só de camiseta, seria constrangedor despir a peça de roupa na frente de todos. Em especial na frente do homem sentado ao seu lado. Passou a viagem toda com a impressão de que a qualquer momento ele estenderia a mão para tocá-la. Apenas manteve o olhar perdido na paisagem da janela do lado oposto, tentando mexer-se o mínimo possível. Só dormiu depois de ouvi-lo ressonar na poltrona.

 Após ultrapassarem a última cidade antes do destino percebeu a ausência de carros na estrada. A extensa estrada em linha reta atravessava dezenas de fazendas e trechos de floresta, não viu sinal de pessoas ou veículos. Aquilo era absurdo, estavam às vésperas de um feriado e o esperado seria haver trânsito intenso no caminho. Preparou seu espírito para encontrarem um engarrafamento à frente devido a algum acidente. Não encontraram. A via estava livre e deserta.

Finalmente reconheceu a paisagem de sua velha cidade pela janela. Estava agradecida por não encontrar nenhum conhecido no ônibus. Seria incômodo dar explicações sobre a sua vida fora dali. Não existia nada para ser escondido, somente não gostava de falar sobre si. Ouvia a tudo o que lhe diziam com interesse verdadeiro e silêncio respeitoso, mas era incapaz de falar mais do que duas frases acerca de sua vida pessoal.

O ônibus entrou na rodoviária. Seu retorno deveria ser um alívio e uma emoção, depois de tantos anos longe da família, mas seu coração estava opresso pelo silêncio do terminal, sequer os pássaros cantavam naquele dia.

Como foi uma das últimas a embarcar sua bagagem estava perto da porta do bagageiro, por isso o empurra-empurra do desembarque a liberou rapidamente. As duas malas estavam pesadíssimas, a primeira continha suas roupas e objetos pessoais e a segunda, livros. Precisou de ajuda para passar as rodinhas da mala sobre uma fresta no piso do terminal, agradeceu a gentileza do homem e arrastou a bagagem até o banco próximo aos sanitários. 

Ouviu o ruído da sirene desde muito longe e ele a tranqüilizou no início porque era um som em meio a tanto silêncio. Todavia, seus olhos acompanharam a viatura da polícia ziguezaguear pela avenida e decolar acima do parapeito do terminal. O seu coração disparou e as suas mãos foram à cabeça, porque seus olhos e seus ouvidos pressentiram que o carro não se contentaria em permanecer no lugar em que aterrissou. Aquilo não era um acidente, parecia-se mais com um ataque. Sua boca e sua garganta puseram-se a gritar, sem sucesso, porém, sua voz não seria capaz de evitar a colisão do carro com a lateral do ônibus.

A carcaça do carro continuava a se comportar como um animal assassino, urrando e cuspindo fumaça fétida contra os olhos e narizes de todos, coberto pelas entranhas de suas vítimas. 

O seu peito descia e subia com a respiração descompassada do susto. Permaneceu em paralisia por longos três minutos a observar a cena, alheia aos gritos dos outros. No quarto minuto a ansiedade tomou conta de seu corpo. Onde estava o socorro? Os bombeiros, as ambulâncias? A cidade possuía serviços de emergência. Será que ninguém se lembrou de telefonar para pedir socorro?

Voltou-se para o interior da rodoviária, procuraria pelos telefones públicos. A afobação a fez esquecer que seu celular estava desligado no bolso de seu casaco.

Nenhum comentário: