sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Grinalda e Mortalha se talham no Céu ou A religião do amor em Franco

A religião do amor é ingrata. É ver como sofre quem ama demais. Qual recompensa Franco encontrara em amar as mulheres ignorando até mesmo os defeitos mais inegáveis? Amou Liz, enxotada por outro homem, largada na rua descalça. Amou Sarah, doente da cabeça e do coração, triste menina que se esqueceria dele no dia seguinte. Amou Georgiana, sedenta por nada além de uma noite de aventura. Amou Jessica, anjo demônio que o surrara porque Franco lhe sorrira.

Animais vaidosos e sem sentimentos são as mulheres. Damos a elas ouro e elas querem o céu. Damos a nossa atenção e elas querem o nosso fígado. Desprezam-nos, maltratam-nos, desfazem-se de todos os nossos presentes. Amamos a elas, mulheres, como se fossem rainhas, sabendo que não são. São ordinariamente da mesma matéria que os homens, compensam o ordinário somente com a anatomia perfeita aos nossos desejos. Só o que Franco precisava era de uma mulher que não tivesse medo de sê-lo, não se achasse especial demais nem se menosprezasse demais. Uma mulher que não julgasse ser favor conceder palavra, não se melindrasse com elogio. Desgraça! Não podia deixar de amá-las, porque amava inclusive os defeitos. Amaria as leprosas se restassem somente elas sobre a Terra, amaria feias, sem graças, mendigas. As mulheres eram seu fraco. Se existe um céu a mulher é o inferno.

A religião do dinheiro, esta sim nunca falha. Trabalhar e acumular, infalível recompensa. Ajuntar, investir, fazer render, multiplicar e distribuir. O dinheiro, sem falta, compra tudo o que possui preço e facilita as demais necessidades. Com dinheiro se é mais bonito, mais inteligente, mais bem vestido, mais perfumado. Dispensa diálogo, dispensa oração. Concede sempre a troca justa, barganha perfeita. Não falta a quem não desperdice. Dinheiro não sofre dor de cabeça. Não se irrita, não se esconde na casa da mãe. E o principal, dinheiro não chora, não menstrua, não pede sem dar em troca.

Era isto, Franco deixaria de lado as mulheres por um tempo, ou melhor, manteria o regime de consultar apenas às velhas conhecidas, poderia assim trabalhar. Trabalho e dinheiro eram, definitivamente, passatempos dignos.

***


- O senhor é discreto?
- Um túmulo, minha senhora.
- Ótimo, estou necessitada de sigilo.
- O que a senhora tem aí?
- É a minha mortalha.
- Como é?
- Mortalha. Os panos com que se vestem os mortos para o sepultamento.
- Eu sei o que é uma mortalha, dona. Mas a senhora vai colocar no prego uma mortalha?
- É a precisão. Quanto o senhor me dá?
- De quanto a senhora precisa?
- Quinhentos.
- É muito!
- É para a grinalda da minha filha! Eu costuro, eu bordo, já comprei o tecido, mas falta a grinalda e o brocado. É a minha única filha!
- Ninguém liga mais para essas coisas, dona. Case a moça de qualquer jeito. Se a senhora não pagar, o que eu vou fazer com essa mortalha?
- Todo mundo vai precisar de mortalha um dia! Não me falte nessa hora, meu senhor!

Franco pensou um pouco.

- Ok, eu aceito o empenho. Mas tem uma condição.
- Qual?
- Eu apadrinho o casamento da tua moça.
- Será uma honra!

Franco adorava casamentos.

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