quarta-feira, 15 de abril de 2009

Prisioneira do medo



E havia o medo. À noite, sozinha com o menino, acordava amedrontada com os ruídos das árvores e as luzes dos carros passando na avenida próxima, sentia que não estava sozinha, uma presença gelada, uma presença que a observava e a cobiçava, sim, sentia que alguma coisa dentro do escuro a desejava. Um estremecimento entrava pela planta dos seus pés e rastejava joelho acima, arranhando pelo roçar de uma coxa com a outra, repuxando o baixo-ventre, apertando os seus pulmões. Sem ar (seria medo de respirar?), os músculos começavam a doer pelo esforço de manter-se imóvel, sentia cada fibra da roupa sobre seu corpo, a garganta secava, os olhos ardiam sob as pálpebras, os lábios se apertavam, a língua parecia enorme para caber dentre os dentes, os dentes pareciam soltos e os mamilos formigavam doloridamente. Passavam-se horas nesta imobilidade exasperante, sem que criasse coragem para mover qualquer parte do corpo, sem que levantasse para certificar se a casa estava vazia, sem que averiguasse o sono do filho que dormia no quarto ao lado.
Nada disso possível. Nas noites em que aquela presença terrificante não invadia seu corpo, o filho chorava toda a noite, não havendo chás ou consolos que o calassem. Dormia as noites em que passava em claro no tapete ao pé da cama do filho, tremendo de frio, marcando a pele morena com marcas do chão duro, resfriando-se e ficando febril. E a continuidade daquela angústia era uma certeza desesperadora, nenhuma saída para fora da própria vida. Apelava para todos os paliativos morais e farmacêuticos da modernidade, nenhum resolvia em nada a sua dor. Mas aquele passo a levaria além, muito além dos limites da prisão imaginária que nos retém passivos. Seria um passo na direção da liberdade. O resto dos dias seria de liberdade e solidão, nada mais de sonhos e pesadelos, somente o vazio da existência sem reflexão. Caminhou então para o precipício de seus dias e mergulhou na calma da incerteza plena.
(imagem: Angustia, Salvador Dali)

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