quinta-feira, 28 de abril de 2011

Mundos e mundos e mundos

Aceitar o novo, encontrar novos significados para coisas velhas. Reaproveitar o excedente em coisas úteis, transformar idéias. Somos habituados a entulhar nossas casas e nossas mentes de objetos inúteis, de valor questionável, troféus e lembranças dispendiosas de tristezas passadas. Buscamos estar em ambientes barulhentos e agitados para evitarmos a solidão de nossos próprios pensamentos vazios, mas quando encontramos o silêncio, ele nos atormenta com nossos pecados, porque acreditamos no pecado, porque acumulamos sentimentos inúteis, evitamos sentimentos sinceros, nos envergonhamos dos nossos próprios sentimentos. Então somos assombrados pelo que não compreendemos, pois não nos permitimos compreender.

Seu pai ouvia vozes e enxergava coisas que ninguém mais via ou ouvia. Ele impunha as regras de sua vida condicionada a estas visões à sua família. O pobre homem não podia admitir viver sozinho no mundo criado por sua imaginação. Ele era um prisioneiro temeroso da solidão. Sua mãe fingia estar com ele nesse mundo imaginário, onde os satélites espiões apontavam sempre para a sua sala de jantar e a eletricidade mandava mensagens subliminares de suicídio e incentivava os filhos a colaborarem com esta farsa. Mas ela também os incentivava a acreditarem em seus próprios mundos e trabalharem para que eles pudessem se tornar realidade.

A mãe desejava um mundo onde pudesse viver junto com sua família e o conseguiu. Esse mundo existiu até o ponto em que ela teve vida e continuou ainda honrando a sua memória até o dia em que Alice jogou a última pá de terra sobre a cova de seu pai.

O irmão desejava um mundo onde as estrelas estivessem sempre brilhantes no céu noturno para que ele as estudasse e aprendesse seus segredos e desejava alguém com quem pudesse partilhar esses segredos. As estrelas nunca deixaram de brilhar no céu, ela e sua mãe sempre estiveram lá para ouvir o que ele descobria delas.

Ela desejava transformar o mundo em um lugar novo onde as pessoas pudessem viver e sonhar com novos mundos. Este era o desejo mais difícil de realizar, mas ela o realizava um pouco a cada dia todas as vezes que se lembrava de ainda estar sonhando. Por isso ela se tornou uma permacultora, freegan, ecologista, porque acreditava que um mundo diferente e viável.

Também por sua experiência familiar ela não desprezava quem conseguia ter uma visão diferente deste mundo. Quem sofre sem entender porquê, quem vê além, quem não se sente satisfeito com as explicações simplistas que lhe são dadas sobre a vida. Para mudar o mundo é preciso que estejamos incomodados com o mundo em que vivemos. Não são só os incomodados que se mudam, são os incomodados que mudam o mundo, os conformados aceitam tudo como lhes foi apresentado e morrem entediados pela mesmice da vida.

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