[POEMA ESCRITO NUM DIA DE CARNAVAL ENSANGUENTADO]
É carnaval, festa da carne. A carne é fraca
e não pode viver só de suor e arroz com feijão,
a carne não vive somente de pão, hóstia
e água mineral. É carnaval, a ocasião
pede o suor da dança e da volúpia; pede
a fartura da mesa e a embriaguez do álcool.
Mas a carne é fraca, lembram? Desidrata-se
com o sol, intoxica-se com as drogas, deforma-se
sob o efeito dos excessos. E chora
lágrimas de sangue quando se rasga.
A carne rasga! Não é metal,
não é couro curtido, tão pouco é rocha sólida.
A carne é sangue, tecido e água. Ela se rasga,
rompe, desmancha, queima, derrete, vaporiza-se.
É fraca. Não suporta além do limite
de seu conta-giros; arqueia
até quase tocar o chão na dança,
mas na queda tomba. Rodopia
alegre e cantante sob o som da euforia
para depois tontear com o impacto
seco do muro de concreto.
A carne vê tudo dobrado na estrada,
depois da dança e do álcool, mas não vê
a outra carne que vem no sentido contrário
dentro do seu invólucro de metal.
Grita, uiva e homenageia a banda,
cai em bandas pelas beiras das estradas ensanguentadas.
Levanta a poeira quando pula
no ritmo sincopado dos tambores,
arrasta-se na poeira dos barrancos descampados.
Ama, espuma, contorce-se de prazer
pelo corpo amado; Retorce, engasga,
asfixia-se na solidão da morte incerta dos acidentes.
E canta, e vibra! Os últimos acordes de dor agônica
para a Lua avermelhada que lhe espia a sorte.